Dalwton Moura: Cantar a muitas vozes

"Cumprindo a sina de sair da aldeia pra voltar em pixels supercoloridos, Kátia Freitas está de volta a Fortaleza, em um movimento de muitos significados — pessoais e existenciais, éticos e estéticos. Artísticos. Humanos”.

Por Dalwton Moura*

Kátia Freitas

“Que eu me despeça do que me assusta. Que eu me dirija a uma nova costa. Que aceite a parte de que tu gostas. Que eu conheça teus pontos de vista. Que a minha alma seja mista”.

Os versos de Próximo, faixa-título do disco lançado no início dos anos 2000 por Kátia Freitas, uma das mais talentosas e criativas vozes do Ceará e de um Brasil que teima em não conhecer o Brasil, soam inversamente proféticos neste 2018 de democracia, leis e direitos descartados, ódio nas redes sociais, diálogo (quase) impossível em meio à hipnose dos aplicativos, timelines, streamings, stories…

Muita informação e muito pouca compreensão. Velocidade em tudo e tempo para nada. Tanta “interação” e tão raros encontros. Pois são eles, os encontros reais, permeados de olhares, abraços fortes e demorados, prosas esticadas entre memórias compartidas, lágrimas de emoção e verdades, que vêm marcando o retorno desta boa filha ao Ceará.

Cumprindo a sina de sair da aldeia pra voltar em pixels supercoloridos, Kátia Freitas está de volta a Fortaleza, em um movimento de muitos significados — pessoais e existenciais, éticos e estéticos. Artísticos. Humanos.

Sorte nossa tornar a contar com quem cantou nosso lugar, em que “não há Cristos iluminados”, mas “anjos de pedra bem dentro de nossas cavernas”. A antítese do estereótipo do “sol e mar” e a abertura para, sim, a partir daqui, cantar outras coisas. “O que é a morte? O que é amar-te? O que é a arte? Do que faço parte?”.

Retornando em grande estilo, com novos poemas e canções neste domingo no Cineteatro São Luiz, no show Cantar Sozinho (canção de Valdo Aderaldo e Cristiano Pinho), com direção do Grupo Bagaceira, Kátia nos traz, a muitas vozes, alentos de poesia, liberdade e resistência. E a oportunidade de novos olhares para a geração de grandes músicos dos anos 1990.

Ao mesmo tempo, dialoga com as novas cenas, que sempre fez questão de acompanhar. Talvez sem saber quão importante foi seu próprio trabalho para o abrir de portas ao atual Ceará musical, tão intenso e multifacetado, embora ainda dependente de vencer o desafio da comunicação, aqui e lá fora. Como ensina a autora: “Encerro coisas que possam ferir. E vejo alegrias por vir. Vias pra ir”. Bem-vinda, Kátia! Vamos de mãos dadas.

*Dalwton Moura é jornalista, compositor e produtor cultural.

Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as opiniões do site.