Brasil é questionado na OEA sobre homicídios de adolescentes negros

O Estado brasileiro terá que responder publicamente sobre os homicídios contra adolescentes, em especial os cometidos contra os jovens negros, durante audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Adolescentes - .

Desde o início dos anos 1980, o Brasil convive com uma escalada generalizada de violência com características epidêmicas. Neste contexto, os homicídios contra crianças e adolescentes não são uma exceção. Conforme a pesquisa “Índice de Homicídios de Adolescentes (IHA) de 2014”, realizada pelo governo brasileiro em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a cada mil adolescentes que completam 12 anos, mais de três são vítimas de homicídios antes de chegar aos 19 anos.

“O índice de vulnerabilidade da juventude ainda pode ser agravado pelo aumento da militarização e do encarceramento, tendo em vista a naturalização do uso das Forças Armadas através de intervenção federal ou das Operações de Garantia de Lei e Ordem (GLO), convocadas para contenção da violência, mas, na verdade, são uma falsa solução para os problemas enfrentados pelos estados, só gera mais violência e violações”, afirma Sandra Carvalho, coordenadora da ONG Justiça Global.

A situação é agravada em decorrência do racismo. A mesma pesquisa citada acima aponta que os adolescentes negros têm um risco de morte 2,88 vezes superior aos dos brancos. Os peticionários da audiência mostram também que são perceptíveis as fragilidades no processo de investigação de homicídios contra adolescentes, notadamente quando as vítimas são negras e/ou em mortes com o envolvimento de policiais, o produto disto são taxas elevadas de impunidade, reforçando o ciclo de violência. “A sociedade civil brasileira vem à Comissão Interamericana apresentar como o racismo institucionalizado é expresso no baixo índice de investigação e responsabilização de homicídios contra crianças e adolescentes negros no Brasil, inclusive quando envolve agentes do Estado”, aponta a assessora jurídica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA Ceará) Julianne Melo.

No documento apresentado à CIDH, os peticionários apresentam uma série de violações de direitos humanos da infância que contribuem para o gravíssimo cenário de homicídios que vitimam os adolescentes, que vão desde o corte no orçamento federal de ações de Assistência Social passando pelas consequências de um laxo controle de armas de fogo. Estima-se que, no Brasil, existam cerca de 16 milhões de armas em circulação, sendo que apenas a metade delas possui registro. O risco de assassinato de um jovem por arma de fogo é 6,11 vezes maior do que por outros meios. E as violações no sistema socioeducativo, segundo levantamento do governo, entre 2013 e 2016, 182 adolescentes morreram durante o cumprimento de medida, sob a tutela do Estado.

“No que se refere ao orçamento federal, o corte para 2017 na ordem de 178 milhões em ações de Assistência Social reforça a ausência de respostas estruturais e sistemáticas do Estado brasileiro. Ao mesmo tempo, é crescente o reforço do caráter repressivo da política de segurança pública, inclusive em termos orçamentários”, reforça Julianne.

Os casos do Rio de Janeiro e Ceará são apresentados como destaques para exemplificar a situação de extermínio de jovens no país. “Um dos nossos objetivos com Audiência é romper com a invisibilidade com o contexto de letalidade juvenil no Nordeste, especialmente no Ceará. É preciso que a comunidade internacional saiba que o Estado brasileiro é violador de direitos, que ele mata e deixa morrer”, explica Mara Carneiro, integrante do Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Fórum DCA Ceará) que participará da Audiência.

As organizações peticionárias da audiência solicitam aos comissários da CIDH uma visita ao Brasil e que recomende ao Estado brasileiro a adoção de um modelo de segurança pública de baseado no respeito aos direitos humanos, com forte componente de prevenção e redução da violência, incentivando o controle interno, externo e social da atividade policial.

A audiência teve início nesta terça-feira (08), às 10h, sendo que o pedido foi feito pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA – Ceará), Associação Nacional de Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced/Seção DCI), o Fórum Permanente de ONG’s de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Fórum DCA Ceará) e a Justiça Global.