Brasil será ator global se garantir privacidade e livre iniciativa

Relator das propostas que tratam de regras para o processamento e uso de dados pessoais no Brasil, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) adianta o teor de seu relatório na comissão especial da Câmara. A ideia é aprovar a matéria até o final do ano no Congresso. Leia a íntegra da entrevista concedida pelo líder do PCdoB na Câmara à Agência Brasil.

orlando silva - Richard Silva/PCdoB na Câmara

Deputado, qual é a importância da proteção dos dados pessoais e por que deve ser alvo de uma legislação específica?

Orlando Silva: O tema da proteção de dados é muito delicado. Existe hoje no mundo um fator novo, a economia de dados. O mundo inteiro está preocupado com isso, seja porque há polêmica sobre o Facebook e Cambridge Analytica, seja porque o critério de o Brasil ser incorporado à OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, entidade que reúne as principais economias do mundo] é ter um marco regulatório de dados pessoais, seja porque a Europa deve ter nova normativa.

A Europa tem, desde a Segunda Guerra, proteção à privacidade. Em 1995, o continente produziu legislação prevendo a internet. E depois do caso Snowden [Edward Snowden, ex-prestador de serviço da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos] revisou a regulação [criando a Regulação Geral de Proteção de Dados, que entra em vigor neste mês]. Do ponto de vista econômico, a economia digital é tema relevante para o Brasil. Tudo isso nos motiva a dar uma grande prioridade a esta matéria. O Brasil pode ser vanguarda, um ator econômico global se tiver um marco que garanta privacidade e estimule livre iniciativa.

Todas as esferas, tanto privada quanto pública, devem obedecer aos preceitos da legislação?

Orlando: A legislação deve incluir o setor público e o privado. Não faz sentido ter uma regra de proteção que se aplique apenas à atividade privada empresarial. Governos são os principais guardiões de dados pessoais. Lei deve tratar destes dados.

Quais temas principais devem constar na Lei aprovada?

Orlando: É preciso ter atenção para o item da transferência internacional de dados. O mundo está hiperconectado. Não importa o status que possuam, mas empresas com representação no país devem ser cobertas pela lei. Não há empresa relevante que não tenha presente necessidade de cuidar dos dados. O Facebook acabou de alterar política de consentimento. Ou protegemos dados das pessoas para que haja confiança ou corremos o risco de travar a evolução de possibilidades. Outro tema que merece cuidado é o do “legítimo interesse” que deve ser restrito àquilo para o qual foi autorizado o tratamento desses dados. A inspiração do legítimo interesse tem a ver com o que está pactuado. O legítimo interesse está vinculado ao objetivo, ao fundamento entre quem consente e o responsável por este tratamento.

E quem deve ser responsável por promover a fiscalização e aplicar a lei?

Orlando: Ter uma autoridade especializada é algo fundamental. A criação de autoridade é um item que praticamente é consenso entre todos que tratam de privacidade. Há quem diga que a iniciativa legislativa de criar algum órgão é prerrogativa do Poder Executivo. Mas há quem diga que se o Poder Legislativo toma iniciativa neste sentido e essa iniciativa é sancionada pelo Poder Executivo, isso poderia sanear um vício de origem.

E como resolver o cenário de tramitação de duas propostas, uma em cada casa?

Orlando: Do ponto de vista legislativo, a Câmara, como Câmara de representação da população, deveria ter a iniciativa de votar a matéria. O Senado é a casa da federação, do equilíbrio do sistema federativo. Como é tema difuso, ela [a Câmara] tem obrigação para que Senado possa fazer papel revisor. Tem a ver com natureza da matéria e atividade da casa. Tenho conversado com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e sinto que a perspectiva é pautar ainda neste semestre esta matéria. Há um excelente diálogo entre Câmara e Senado, com o relator do PLS 330, com quem temos tido diálogo permanente. Semanalmente há conversas com o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) para produzirmos uma convergência neste esforço. Não há concorrência, há espírito colaborativo. O PL 5276/2016 é um bom ponto de partida.