Publicado 01/06/2018 16:07
A redução do papel dos bancos públicos e das estatais, com a aceleração de privatizações e a venda de ativos de empresas como a Petrobras, vai fragilizar o País, que terá menor capacidade para se proteger em face dos ciclos de declínio da economia mundial e ficará atrasado na corrida tecnológica.
Os desdobramentos da Operação Lava Jato, por sua vez, falham ao colocar em risco o futuro de setores essenciais para a economia brasileira, em vez de se limitar a punir os sócios e executivos responsáveis pelos crimes.
As duas visões balizaram os debates no seminário “Bancos públicos e o desenvolvimento econômico e social”, uma parceria de CartaCapital e da Fenae, a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal. O evento, realizado na terça-feira 22 em São Paulo, abriu um ciclo de discussões sobre as instituições financeiras públicas que percorrerá outras capitais.
Segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, autor da palestra de abertura, a crise econômica atual acentuou-se pelas opções da política econômica adotada a partir de 2013, ainda no governo Dilma Rousseff. “A presidenta perdeu o cargo por supostamente gastar demais. Nada disso. Não houve uma gastança, como muitos alegam, mas uma contração do setor público”, reitera. “Se vendermos as estatais e os bancos públicos, desmontaremos um aparato importante e fragilizaremos ainda mais a nossa economia, que perderá autonomia para se proteger de ciclos de queda da atividade.”
O Estado, afirmou o economista e consultor editorial de CartaCapital, é fundamental para o Brasil voltar a crescer de forma sustentada. No início dos anos 1980, citou Belluzzo, 52% das exportações brasileiras eram de manufaturados e o Brasil detinha o posto de o mais industrializado país emergente.
Quase quatro décadas depois, o cenário mudou: os chineses ocupam a posição de segunda maior economia do mundo e a participação da indústria no PIB brasileiro despencou de 25% em 1980 para cerca de 10% atualmente. Isso torna a posição nacional ainda mais frágil no momento em que a indústria 4.0, baseada no avanço da robótica e da inteligência artificial, se torna realidade em linhas de produção pelo mundo.
“A indústria muda seu perfil tecnológico e estamos atrasados. É essencial que os bancos públicos e as estatais estejam coordenados no crescimento econômico como é na China.” O Brasil, acrescenta, perdeu a capacidade de planejar a economia. Desde a década de 1980, o Ministério do Planejamento abandonou suas funções iniciais e viu-se obrigado a gerenciar a aplicação do Orçamento.
Não só a indústria será afetada. A possibilidade de oferecer concorrência no setor financeiro e moderar a fixação das taxas de juro ao consumidor acabará se os bancos públicos forem obrigados a acoplar seus produtos às estratégias das instituições privadas.
“Sem os bancos públicos com participação influente, perde-se o poder de se contrapor à liderança dos bancos privados. No fim das contas, todos combinam uma mesma diretriz e praticam a mesma taxa. Acaba o papel das instituições do Estado de estimular a concorrência e de tentar oferecer taxas mais baixas. Essa é uma forma de esvaziamento do poder dos bancos públicos, mesmo sem privatização”, destacou Gilberto Bercovici, professor titular da Faculdade de Direito da USP.
Representante dos funcionários no Conselho de Administração da Caixa Econômica Federal, Rita Serrano afirmou que a participação dos bancos públicos no crédito total caiu de 56% em 2016 para 54% em 2017, o primeiro recuo em dez anos, e deverá continuar em queda, o que tende a retardar o processo de inclusão ao sistema de novos usuários do sistema financeiro. Segundo Serrano, 20 milhões de brasileiros ainda não têm conta bancária. “Essa participação deverá cair ainda mais nos próximos anos, com esse processo recente de perda da importância desses bancos.”
O debate econômico, lamenta Serrano, tem se centrado na privatização de empresas públicas como forma de aumentar a eficiência e melhorar os serviços, o que mostra que os ganhos que os brasileiros conquistaram por conta do crescimento econômico entre 2004 e 2014 não foram associados a uma atuação mais ativa do Estado na economia.
No período, o crédito dos bancos públicos passou de 35% para 52% do total do sistema, resultado das políticas anticíclicas para evitar os efeitos da crise financeira mundial de 2008, do aumento do consumo e do avanço da bancarização. “Hoje, muitos dizem que o que é privado tem liberdade, é eficiente, dinâmico, mais avançado, enquanto o público é atrasado, burocrático, caro. Parece que esse desmonte não é percebido como deveria ser. Seus impactos serão bem piores do que se imagina.”
As consequências da Operação Lava Jato sobre a economia também dificultam a recuperação do PIB nos próximos anos. A força-tarefa na cruzada contra a corrupção não levou em conta os efeitos sobre setores essenciais para a geração de emprego e renda.
“Na Alemanha, a Volkswagen foi pega em uma fraude que lesou 8 milhões de consumidores ao redor do mundo, mas a montadora não deixou de produzir”, compara Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro. “Os executivos envolvidos foram demitidos e processados e a empresa mudou sua diretoria. A Alemanha respeita a empresa, que responde por 15% do PIB industrial. Aqui no Brasil, ao contrário, jogamos fora a criança, a água do banho e a bacia. Passa de 60 mil o total de desempregados na área de infraestrutura, em grande medida vítimas dessa atuação indiscriminada dos órgãos de fiscalização e da Justiça.”
O impacto é maior nas empreiteiras, que atuavam antes da crise em 41 países e eram mundialmente competitivas. Para Bercovici, a Lava Jato é uma das grandes responsáveis pela recessão que o Brasil enfrenta (o PIB, desde 2014, caiu mais de 7%). “Há um vale-tudo, um país degringolando. Há punição às empresas e não só aos executivos envolvidos nos escândalos de corrupção, o que terá impacto sobre setores econômicos. Era preciso separar as duas coisas.”