Crianças são 50% das vítimas de estupro, revela Atlas da Violência

Cerca de 10% das vítimas de violações sexuais possuíam alguma deficiência, de acordo com a pesquisa.

Dos 22.918 casos de estupro registrados pelo SUS (Sistema Único de Saúde) em 2016, 68% das vítimas eram menores de idade. Os dados são do Atlas da Violência 2018, divulgado nesta terça-feira (5). As violações a menores de 13 anos somam 50,9%, outros 27% são entre 14 e 17% e maiores de idade representam 32,1% desse tipo de crime.

No caso de estupros coletivos, há uma maior ocorrência para maiores de 18 anos, que representam 36,2% das vítimas. Crianças somam outros 43,7% e adolescentes 20,1%.

Ao analisar os dados desde 2011, contudo, houver uma redução das vítimas adolescentes, apesar do crescimento entre 2012 e 2014.

Além das crianças e adolescentes, pessoas com deficiências também são os principais alvos. De acordo com o Atlas, cerca de 10,3% das vítimas de estupro possuíam alguma deficiência, sendo 31,1% desses casos deficiência mental e 29,6% transtorno mental. Nos casos de estupro coletivo, 12,2% do total foram contra vítimas com alguma deficiência.

Os dados analisados são dos SUS, mas a pesquisa alerta para a subnotificação desse tipo de crime. De acordo com o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2016 foram registrados nas polícias brasileiras 49.497 casos de estupro. "Certamente, as duas bases de informações possuem uma grande subnotificação e não dão conta da dimensão do problema, tendo em vista o tabu engendrado pela ideologia patriarcal, que faz com que as vítimas, em sua grande maioria, não reportem a qualquer autoridade o crime sofrido", diz o estudo.

Nos Estados Unidos, apenas 15% dos casos são reportados à polícia. Se o nosso cenário fosse similar ou estivesse em torno de 90%, a estimativa é de 300 mil a 500 mil a cada ano no Brasil.

Em 2016, segundo os dados da saúde, quase 30% dos casos de estupro contra crianças são cometidos por familiares próximos, como pais, irmãos e padrastos. Na fase adolescente e adulta, prevalecem casos com autor desconhecido (32,50% e 53,52%, respectivamente).

Quando a vítima conhece seu agressor, na maioria das vezes (54,9%) ela já havia sido vítima antes. No caso de autor desconhecido, o percentual cai para 13,9%.

Aumento dos casos de estupro

De acordo com o Atlas da Violência 2018, entre 2011 e 2016 houve um crescimento das notificações de casos de violência como um todo e casos de estupro de 155,1% e 90,2%, respectivamente. O estudo atribui esse fenômeno ao aumento da prevalência das violações sexuais e da taxa de notificação devido a campanhas feministas e governamentais e à expansão e do aprimoramento dos centros de referência.

No mesmo período, cresceram tanto o número de centros de saúde que tiveram pelo menos uma notificação (124,2%), quanto o número de municípios que passaram a possuir notificações (73,5%).

A pesquisa destaca também que a definição legal de estupro mudou em 2009, a fim de contemplar mais tipos de violações, "o que pode ter sido compreendido pela sociedade e autoridades apenas nos anos subsequentes à mudança da lei".

Também foi observada um aumento na proporção de casos de estupros coletivos, de 13,0% em 2011 para 15,4% em 2016. Crimes cometidos por um único agressor nesse período caíram de 81,2% em 2011 para 77,6% em 2016.

Feminicídio

Notificações de estupro dobram em 5 anos houve um salto de 12.087 casos informados em 2011 para 22.918 em 2016, segundo dados divulgados nesta terça.

Em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no país, o equivalente a uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. Desde 2006, houve um aumento de 6,4% nesse tipo de crime.

Não é possível dizer que todos esses casos são feminicídio, tipo penal em que a mulher é morta pelo fato de ser mulher, isso porque o Sistema de Informações sobre Mortalidade, base de dados usada na pesquisa não fornece essa informação.

O estudo, contudo, faz uma ponderação sobre o tema para alertar sobre a dimensão da violência de gênero no Brasil. "A mulher que se torna uma vítima fatal muitas vezes já foi vítima de uma série de outras violências de gênero, por exemplo: violência psicológica, patrimonial, física ou sexual. Ou seja, muitas mortes poderiam ser evitadas, impedindo o desfecho fatal, caso as mulheres tivessem tido opções concretas e apoio para conseguir sair de um ciclo de violência", diz a pesquisa.

O Atlas lembra o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol) em março deste ano e chama atenção para a necessidade de políticas públicas mais eficientes. "A comoção pública e a transformação de seu nome em símbolo de resistência são sinais de que a violência contra a mulher está deixando de ser naturalizada. Se as leis e políticas públicas ainda não são suficientes para impedir que vidas de mulheres sejam tiradas de formas tão brutais, o enfrentamento a essas e outras formas de violência de gênero é um caminho sem volta", diz o estudo.

Nesse tipo de crime, a etnia é um fator decisivo, fenômeno já revelado por outras pesquisas. Em 2016, a taxa de homicídios é maior entre as mulheres negras (5,3) que entre as não negras (3,1), uma diferença de 71%. Em relação aos 10 anos da série, a taxa de homicídios para cada 100 mil mulheres negras aumentou 15,4%, enquanto que entre as não negras houve queda de 8%.

Entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de mulheres negras em 20 estados registrou crescimento maior que 50%. Entre mulheres não negras, houve aumento em 15 estados e em apenas 6 deles foi maior que 50%.

No entendimento dos pesquisadores que elaboraram o Atlas, é preciso dar visibilidade aos crimes para enfrentar a violência contra a mulher, além de ampliar e melhorar a rede de atendimento prevista pela Lei Maria da Penha. "Além de ser assistida pelo sistema de justiça criminal, a mulher deve conseguir ter acesso à rede também por meio do sistema de saúde, já que em muitos casos as mulheres passam várias vezes por esse sistema antes de chegarem a uma delegacia ou a um juizado", diz o estudo.