Divisões inviabilizam acordo para a reforma do sistema de asilo da UE

A crise exposta pelo drama do navio Aquarius aparentemente não terá fim a curto prazo. Eurodeputados exigem ação, mas não há consenso nas capitais para resolver a crise dos refugiados na Europa

imigração na europa - Carlos Latuff

Os discursos acalorados e desencontrados de responsáveis políticos europeus, em Estrasburgo, Bruxelas, Berlim ou Roma, mostram que o último episódio da crise de refugiados não será resolvido quando o navio Aquarius e as outras duas embarcações que levam a bordo 629 imigrantes e candidatos a asilo resgatados no Mediterrâneo atracarem no porto de Valência — nem, provavelmente, quando os 28 líderes se reunirem, no fim de junho, no Conselho Europeu, onde está prevista a aprovação de um novo modelo para o sistema europeu de asilo, conhecido como acordo de Dublin.

O caso do Aquarius apenas expos a fratura que se abriu no continente depois do grande êxodo de 2015, e tornar mais polarizada a discussão entre os dois grandes blocos a favor e contra o acolhimento de refugiados. Prestes a assumir a presidência da UE, o primeiro-ministro austríaco que se aliou a extrema-direita em seu país, Sebastian Kurz, já disse que esse debate estará no topo da sua agenda política.

Kurz ganhou na quarta-feira (13) um poderoso aliado: o ministro do Interior da Alemanha, Horst Seehofer, que surpreendeu ao se dizer preparado para formar um novo eixo de cooperação Roma-Viena-Berlim para supervisionar a "segurança e as migrações". Seria um alinhamento “daqueles que estão disponíveis para arranjar soluções para o problema da imigração ilegal”, explicou o austríaco, que foi falar com o ministro alemão a Berlim.

A postura de Seehofer, um político do partido conservador bávaro CSU, deixa Angela Merkel numa posição delicada, tanto do ponto de vista da gestão política interna, como no seu papel de “autoridade moral” no debate europeu sobre a crise migratória. Quando vários países começaram a fechar fronteiras e a construir muros, a chanceler abriu as portas à entrada de mais de um milhão de refugiados.

Numa sessão para debater as “emergências humanitárias no Mediterrâneo e a solidariedade na União Europeia”, no Parlamento Europeu, a posição assumida pelo novo governo italiano, que fechou os portos do país ao barco da SOS Méditerranée, mereceu críticas contundentes de todas as bancadas menos a que integra os partidos nacionalistas e de extrema-direita.

Mas foi principalmente a inação dos Estados membros da UE no seu conjunto que esteve na mira dos eurodeputados, que mesmo reconhecendo a pressão que enfrentam os políticos em países onde o discurso anti-migratório se tornou um poderoso activo eleitoral, não deixaram de exigir que respostas e soluções, já muito debatidas e avaliadas, sejam urgentemente desbloqueadas.

“Os Estados membros continuam a discutir e a perder tempo, sem encontrar uma solução”, criticou o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, lembrando que os legisladores aprovaram uma reforma do sistema de asilo que “poderia ser uma ótima base” para as decisões que têm de ser tomadas no próximo Conselho de 28 e 29 de junho. “Os trabalhos não podem ser dados por terminados sem uma solução”, frisou.

A vida de seres humanos

A mesma mensagem chegou de Genebra, de onde o alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, lançou um apelo para a ação urgente dos parceiros europeus. “É muito claro para todos que a Europa tem de reformar o seu sistema de asilo de forma coletiva. O sistema tem de prever uma distribuição mais equitativa da responsabilidade, para que quando houver um desembarque se possa cumprir o processo de determinar quem tem o estatuto de refugiado e quem não tem”, defendeu.

“Há muita resistência, mas não há outra maneira”, sublinhou Grandi, que não deixou de exprimir a sua vergonha, enquanto cidadão europeu, por um navio humanitário com centenas de pessoas a bordo ter sido impedido de atracar. “É simplesmente vergonhoso”, lamentou. A resposta de Roma não demorou: em declarações ao Corriere Della Sera, o ministro do Interior e de extrema-direita, Matteo Salvini, repetiu que a politica migratória do seu país não é desenhada pelas organizações internacionais que manobram embarcações nas águas do Mediterrâneo.

“Não devemos entrar no jogo de atribuir culpas, mas não podemos ser complacentes. Todos têm de assumir responsabilidades e cumprir as suas obrigações. A solução tem de ser estrutural”, considerou o comissário europeu com a pasta das Migrações, Dimitris Avramopoulos. Pelo seu lado, a alta representante da UE para a Política Externa, Federica Mogherini, sublinhou que já deveria ser “evidente para todos que a política europeia sobre as migrações tem de se basear no princípio da solidariedade, tanto interna entre os Estados membros, como externa — na qual a vida de seres humanos está acima de qualquer outra coisa”, destacou.

O “equilibrismo” que a Comissão tem feito também se vislumbrou na quarta-feira (13), na reação dos porta-vozes às perguntas dos jornalistas sobre a polêmica entre a Itália e a França (apesar da retórica inflamada dos italianos, um porta-voz do governo francês esclareceu que não houve nenhum pedido para o cancelamento da cúpula entre o Presidente Emmanuel Macron e o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, na sexta-feira), ou a reforma do regulamento de Dublin. “Há um debate em curso, que não é neutro, e por isso não haverá comentários da Comissão”, justificou um dos assessores.