"Crise migratória" na Europa passou a ser "crise de vontade política"
Apesar da retórica inflamada de alguns líderes, a procura do território europeu como refúgio tem vindo a diminuir. A crise migratória já não é de números, mas de vontade política, dizem especialistas
Publicado 18/06/2018 17:14
O número total de pedidos de asilo em países da União Europeia ascendeu para 728.470 em 2017, um valor que representa uma queda de 44% face ao ano anterior — e que indica que a chamada crise migratória na Europa deixou de ser uma “crise de números” para se tornar uma “crise de vontade política”, sublinharam responsáveis do Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados na apresentação do relatório anual sobre a situação de asilo na UE, nessa segunda-feira (18) em Bruxelas.
Em 2017, houve menos de 500 mil pessoas procurando o território europeu para abrigo dos estatutos de proteção internacional, mostram os números recolhidos pelo Gabinete Europeu de Apoio a Asilo (EASO, na sigla original). Essa tendência de quebra continuou a manifestar-se este ano, com uma diminuição de cerca de 50 mil do número mensal de pedidos de asilo submetidos entre janeiro e abril. Este ano, já foram entregues 197 mil pedidos de asilo na UE.
Crise não está resolvida
Mas a redução do número de pedidos de asilo não significa que a crise migratória está resolvida — os valores continuam acima da média anual anterior a 2015 — ou que a pressão sobre as fronteiras externas da UE fraquejou, mesmo se o número de candidaturas supera a detecção de passagens ilegais.
“A União Europeia consolidou a recuperação da crise migratória de 2015-16, mas a pressão nas fronteiras mantém-se elevada”, lê-se no relatório, que aponta para um aumento dramático do fluxo de migrantes através do Mediterrâneo Ocidental, com rotas com destino a Espanha — enquanto os movimentos ao longo da rota Oriental estabilizaram e até diminuíram.
Até agora, em 2018, as chegadas por mar ao território da UE estão muito abaixo dos anos da crise, com os valores provisórios a apontar cerca de 12 mil desembarques na Grécia e Espanha e cerca de 15 mil na Itália. Se nos últimos seis meses do ano os números se mantiverem constantes, estima-se que desembarquem na UE cerca de 80 mil migrantes — um número que compara com os 157 mil que entraram em 2017, ou os 362 mil de 2016.
Um dia depois da chegada a Valência do navio humanitário Aquarius, que foi impedido de atracar na Itália e em Malta, os responsáveis que apresentaram o relatório em Bruxelas evitaram todas as respostas que pudessem inflamar mais o debate político em curso na UE. Os temas quentes são as polémicas propostas da Alemanha para fechar as fronteiras e recusar a entrada de candidatos provenientes de outros Estados-membros, ou da Itália, Áustria e Dinamarca de construção de “campos de processamento” em países terceiros. A legalidade de ambas as propostas é contestada por organizações humanitárias.
À espera de reformas
Porém, não deixaram de assinalar que o atual contexto político — “muito difícil” — não deve impedir que os líderes continuem a evitar (ou adiar) a prometida reforma do sistema comum de asilo e das regras para o acolhimento de refugiados conhecido como o regulamento de Dublin. “Casos como o do Aquarius mostram como precisamos de um acordo para o mecanismo de solidariedade na Europa”, sublinhou a representante regional para a UE do Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados, Sophie Magennis.
“Infelizmente não teremos um acordo na próxima cúpula europeia de 28 e 29 de junho, mas esperemos que as reformas possam ser aprovadas antes do fim da actual legislatura”, acrescentou o chefe da unidade de asilo da Direcção-Geral de Assuntos Internos da Comissão Europeia, Stephen Ryan.