Absolvição de Gleisi escancara estratégia do consórcio mídia-Lava Jato

Por 5 votos a zero, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) absolveu nesta terça-feira (19) a presidenta nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e rejeitou a acusação dos procuradores da Operação Lava Jato.

Por Dayane Santos

Afrânio Jardim - Reprodução

Por unanimidade, os ministros rejeitaram as acusações de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, apontando a falta de provas e conflitos de versões do Ministério Público, que apresentou apenas os delatores como “convicção” de materialidade da acusação. Além de Gleisi, o ex-ministro Paulo Bernardo e o empresário Ernesto Kugler, arrolados pelo MP, também foram absolvidos.

Na ação, protocolada no Supremo em 24 de fevereiro de 2017, Gleisi era acusada de ter recebido R$ 1 milhão durante sua campanha ao Senado, em 2010. De acordo com o Ministério Público Federal, o dinheiro tinha origem em contratos superfaturados da Petrobras. Desde então, a cobertura da grande mídia sobre o assunto ganhou destaque, principalmente porque Gleisi se tornou presidenta nacional do PT.

Enquanto o processo percorreu todas as suas fases no Judiciário, a imprensa em sua campanha de criminalização da política – principalmente contra lideranças do campo progressista – instaurou um processo inquisitorial e transformou as delações em provas absolutas de culpa, dando aos delatores uma credibilidade que esconde os interesses por trás de suas afirmações.

Durante todo esse período, a grande mídia não cumpriu o seu dever constitucional como veículo de comunicação que é o de informar, com a devida apuração e conteúdo sério, tanto é que a possibilidade do resultado apresentado pelo Supremo sequer foi cogitada. E por isso, não apresentou as contradições das delações e nem colocou em dúvida os depoimentos dos delatores, tratando a denúncia do MP como um conjunto de “provas robustas” contra a senadora.

Roteiro da perseguição

Trata-se de um roteiro conhecido e adotado no caso de diversas lideranças, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi condenado e preso com base em delações.

O jurista Afranio Silva Jardim, professor de Direito Processual Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), enfatizou que sob o aspecto jurídico, o processo da senadora Gleisi seguiu o rito natural. Ele enfatiza que para o Judiciário basta ter indícios do crime para que a denúncia seja aceita.

“Não é necessário prova cabal para aceitar a denúncia”, explica o professor. “Mas é preciso de prova cabal para condenar”, acrescenta Afranio, destacando que a grande mídia ignora deliberadamente esse princípio.

“A imprensa explora isso. É uma questão de responsabilidade e seriedade da imprensa que atualmente além de leiga, em se tratando de alguns veículos, tem má-fé mesmo”, afirma Afranio.

Para o professor, mesmo que a Justiça absolva, como foi o caso da senadora Gleisi, há um dano não jurídico enorme para ela que a decisão do Supremo não consegue suprimir. “Se fosse o Manuel ou Pedro não seria nem noticiado e não estaríamos falando sobre esse assunto. Mas como é uma pessoa pública acaba sendo muito prejudicial”, disse.

Segundo ele, essa condição danosa para lideranças políticas é parte de uma estratégia deliberadamente construída pela mídia e a Lava Jato desde o início das investigações.

“Essa estratégia que o Moro [juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba] pegou da Operação Mãos Limpas da Itália, inclusive escreveu um artigo acadêmico quando fazia o mestrado em que dizia que era necessário ter o apoio da opinião pública para os tribunais se sentirem estimulados a manter as suas decisões”, lembrou o jurista, se referindo a um artigo de Sérgio Moro, publicado em 2004, em que faz considerações sobre a operação Mãos Limpas, a classificando como “uma das mais impressionantes cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa”.

No artigo, Moro defende que “a ação judicial não pode substituir a democracia no combate à corrupção”, mas diz que a opinião pública, por meio da imprensa, é um instrumento para “atacar as causas estruturais da corrupção”. Neste sentido, ele propõe a substituição do Judiciário pela opinião pública por considerar que o primeiro não satisfaz a punição judicial dos "agentes públicos” por conta da carga de prova exigida para a condenação no processo criminal.

“Nessa perspectiva, a opinião pública pode constituir um salutar substitutivo, tendo condições melhores de impor alguma espécie de punição a agentes públicos corruptos, condenando-os ao ostracismo”, afirma Moro em um trecho do artigo.

Para Afranio, a estratégia foi implementada com muita competência pelo menos de comunicação que tem na Lava Jato um canal direto para a construção de sua pauta acusatória. “A Globo recebia informações previamente. Nos casos das conduções coercitivas, a emissora estava nos locais antes da própria Polícia Federal”, lembra o professor.

Como a grande mídia não denuncia, já que é a principal envolvida nesse processo, Afranio destaca que a manipulação permanece e a população não tem ciência de tal crime. Com isso, a leitura que se faz do julgamento – induzido pela narrativa midiática – é a de que o Supremo não decidiu com base nas provas, mas acobertou por interesses alheios.

“É uma estratégia. A própria imprensa, principalmente o sistema Globo de televisão, intitula alguns casos como ‘braço Lava Jato’ ou ‘desdobramento da Lava Jato’. Porém, Petrobras não tem nada a ver com as investigações de corrupção de Sergio Cabral no Rio de Janeiro”, compara.

Para o jurista, a narrativa midiática cria a falsa ideia de que existe apenas um juízo capaz de julgar os casos da Lava Jato, o que é frontalmente contrário ao que estabelece a Constituição e a lei.

“Esse juízo universal do Sergio Moro é um descalabro”, afirma. “É para blindar pela opinião pública e para que os tribunais acabem refletindo essa opinião”, completa.

Criminalização da política

Para advogado Fernando Neisser, da Comissão de Direito Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), é preciso reafirmar a independência do Judiciário com relação à opinião pública.

“O Poder Judiciário tem uma missão dada pela Constituição que é defender a Constituição e as leis. No sistema de tripartição dos poderes, temos dois poderes cuja função é ouvir a voz das ruas: Legislativo e Executivo. Se tivermos três poderes ouvindo a voz das ruas temos um desequilíbrio que joga por terra o direito”, argumentou.

O advogado enfatiza que há um “enorme descrédito” da atividade política brasileira, em parte, como resultado da conduta dos próprios agentes políticos.

“Mas esse descrédito é muito incentivado pela atuação da imprensa. E nesse ponto, no afã de vender jornal, esquece que não existe uma sociedade organizada e democrática que possa prescindir de uma atividade política”, destacou Neisser, reforçando que essa campanha de criminalização da política é muito negativa, porque esse sentimento de descrédito é absolutamente difuso.

“O professor, o empresário, o trabalhador e, naturalmente, o juiz tem descrédito com a política. O problema que essa visão de descrédito pessoal com a política por parte de membros da magistratura e do Ministério Público acaba refletindo na forma de atuação desses órgãos. Se o Ministério Público tem ainda dentre as suas missões a atividade de acusação, o juiz deve ocupar um espaço equilibrado entre as partes, o que é muito difícil quando esse juiz está imbuído numa sociedade que constantemente reafirma o quão ruim é a atividade política”, explica.

E segue: “Por conta dessa pressão constante da imprensa sobre o Judiciário e diante de duas decisões em que ambas possam parecer fundamentadas, os juízes são levados a buscar a que mais atenda a essa pressão e, portanto, criminaliza de certa forma a atividade política”.

Segundo ele, há uma falsa expectativa de que o Judiciário seja o operador das mudanças que o país anseia. O discurso de cavaleiros da mudança tem sido feito por alguns procuradores do Ministério público que utilizam as redes sociais e a mídia para se autodeterminarem com paladinos da justiça.

“Não acredito que uma transformação da sociedade seja operada via Poder Judiciário e Ministério Público. Essa transformação ela se dá pela sociedade civil pressionando os seus órgãos de representação que são o Congresso Nacional e o Executivo”, concluiu Neisser.