A cada três dias uma mulher entrega recém-nascido para adoção

De acordo com um levantamento realizado pela Folha de S.Paulo, a cada três dias uma mulher vai à Justiça para entregar um bebê a adoção e os principais motivos para essa decisão são: gravidez após estupro e sem acesso a aborto legal, ausência ou abandono do pai da criança e a falta de suporte familiar e de condições financeiras.

Por Verônica Lugarini

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Toda mulher brasileira tem o direito a chamada entrega legal ou voluntária, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas pouco divulgada. A partir dela a mãe tem a alternativa de colocar o bebê para adoção em caso de incapacidade de criá-lo.

No Brasil, essa entrega acontece a cada três dias por uma mãe que se sente desamparada e busca apoio da Justiça para entregar seu bebê ainda em gestação ou já nascido para adoção, foi o que apontou um levantamento feito pela Folha a partir de consulta a tribunais.

Desde janeiro de 2017 até maio deste ano foram ao menos 203 casos no país —um a cada 2,5 dias. Todavia, o número de entrega para adoção pode ser ainda maior, já que de 27 tribunais consultados, apenas 11 enviaram informações ao jornal.

Mas o que chama ainda mais atenção nesta situação são os motivos pelos quais as mães decidem entregar os recém-nascidos, principalmente gravidez após estupro e sem acesso a aborto legal, ausência ou abandono do pai da criança e falta de suporte familiar e de condições financeiras. Além da gravidez não planejada e falta de desejo de exercer a maternidade.
É notório que esse cenário poderia ser revertido se houvesse a maior proteção das mulheres por parte do Estado brasileiro. Muitas delas são abandonadas pelo pai da criança e ficam com toda a responsabilidade de criar sozinha um recém-nascido.

A falta de suporte do Estado já uma realidade e, novamente, dados comprovam tal fato. De acordo com informações consolidadas pela Fundação Abrinq, a mortalidade infantil cresceu 11% entre 2015 e 2016. Esse número é reflexo da ausência ou da deterioração de programas de proteção ao recém-nascido e da política econômica brasileira que opta por cortar investimentos essenciais, como na área da saúde, em prol de um controle de gastos que impacta diretamente nos avanços sociais conquistados.

Essa austeridade econômica se intensificou durante o governo Michel Temer com a aprovação do teto dos gastos – que congela os investimentos públicos até 2036. Lembrando que estudos já indicam que com teto dos gastos, o Brasil deve ter 20 mil mortes a mais de crianças.

Todo esse quadro é agravado por uma política e por parlamentares conservadores. Enquanto outros países, inclusive vizinhos como a Argentina, avançam na legalização do aborto, no Brasil projetos de lei tentam restringir ainda mais o direito ao aborto legal. É o caso de dois Projetos de Lei, um que propõe tornar a prática crime hediondo (PL 7.443/2006) e outro conhecido como o Estatuto do Nascituro que tornaria o aborto em caso de estupro ilegal.

Enquanto essas pautas avançam no Congresso, a realidade brasileira comprova estatisticamente que as mulheres são vítimas da continuidade da legalização do aborto, principalmente as mais pobres. A cada dois dias o aborto inseguro mata uma brasileira e é a quinta causa de morte materna.

Tudo isso contribui para um quadro de desalento entre as mães brasileiras, que diante de um futuro incerto com o aumento da pobreza, abandono do pai da criança e da impossibilidade de realizar um aborto legal, opta por entregar o bebê para adoção.

E o que deveria ser realizado com segurança e sigilo, já que a entrega para adoção é assegurada como um direito, não acontece. Muitas dessas mulheres sofrem um forte preconceito ao manifestarem o desejo da entrega, inclusive dos próprios profissionais de saúde responsáveis pelo atendimento. Isso foi o que apontou Walter Gomes, supervisor de adoção da Vara de Infância e Juventude de Brasília ao jornal.

Frequentemente elas são tratadas como indignas ou merecedoras de cadeia. Já dentro do ambiente hospitalar, muitas mães não têm o sigilo garantido, explicou Walter Gomes.