Narrativa da inelegibilidade de Lula é para impedir o debate político

A grande mídia escancarou o seu boicote à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e evidenciou como funciona a “liberdade de imprensa” que tanto dizem defender. Assim como fez no seu processo na justiça, em que criou um tribunal virtual para condenar sem provas, a imprensa decreta a inelegibilidade do ex-presidente.

Por Dayane Santos

Manuela e Haddad Lula Livre - Ricardo Stuckert

Nas entrevistas coletivas em que o seu vice e porta-voz, Fernando Haddad, se dispõe a falar, os jornalistas insistem na tese de que Lula será substituído pelo ex-prefeito de São Paulo, mesmo que Haddad repita por diversas vezes que essa hipótese não é cogitada pela equipe de campanha e nem pela população que demonstra nas pesquisas de intenção de votos que Lula é o candidato.

O desespero é tanto que as manchetes dos jornais manipulam os fatos para enganar o eleitor. A manchete do Estadão desta terça (21) dizia: “Bolsonaro se isola na liderança; Marina e Ciro disputam 2º lugar”, ao divulgar dos dados da pesquisa Ibope. Mas tal condição só se configura sem Lula na disputa, o que até agora não é fato, apenas o desejo da direita conservadora em consócio com a mídia.

Lula lidera em todos os cenários e com larga vantagem de seus adversários, chegando a ter 20 pontos de distância do segundo colocado, segundo Datafolha, podendo vencer já no primeiro turno.

A Rede Globo, uma das artífices do golpe e da perseguição judicial contra o ex-presidente, anunciou que não irá cobrir a agenda de campanha do PT e ainda vetou a participação do candidato a vice na chapa presidencial, Fernando Haddad, nas rodadas de entrevistas que fará com os candidatos a presidente no Jornal Nacional.

Para o professor de jornalismo especializado do Departamento de Comunicação Social da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, Juarez de Paula Xavier, o comportamento da mídia em relação à candidatura do Lula, segue a mesma lógica do golpe contra o mandato da presidenta Dilma Rousseff, em que foi afastada sem crime de responsabilidade.

“É criada uma narrativa, uma dimensão subjetiva, que leve as pessoas a um determinado comportamento”, afirma Juarez em entrevista ao Portal Vermelho. Ele lembra que durante o processo de impeachment a grande mídia construiu um cenário em que insuflava a tese de direita conservadora de que havia um processo de corrupção profundo que devia ser erradicado.

“E isso justificava qualquer ação política de superação de qualquer direito constitucional para poder afastar a presidenta Dilma. Essa era a lógica e a mídia bateu muito nisso, inclusive sem fazer comparações entre o nível de corrupção existente nos governos anteriores e no governo Dilma e as posições políticas dos governos e da presidenta Dilma. A narrativa tentava justificar uma violência institucional”, argumentou.

Para Juarez, a narrativa midiática atual é a mesma, mas agora sob a tese da inelegibilidade. Primeiro, diz o professor, a mídia sinaliza para a sociedade e os segmentos que estão acompanhando essa discussão que, independente da vontade popular de ter o ex-presidente Lula como candidato – como se manifesta nas pesquisas de intenção de votos – ele não será candidato. Depois lançam a tese de que independentemente de qualquer ação política dos grupos sociais, as propostas políticas contidas nessas candidaturas não serão discutidas.

“Temos um silêncio absoluto sobre as propostas que são contrapontos concretos as propostas apresentadas tanto da extrema direita como de centro-direita. A proposta que está sendo apresentada pelo ex-presidente Lula é um contraponto radical a leitura política que nós estamos vivendo e as essas propostas políticas. Ao fazer essa sinalização está se emudecendo as possibilidades de diálogo com a sociedade”, adverte o professor.

O terceiro ponto que Juarez considera como um dos mais perversos é a tentativa de desmobilizar aqueles que apoiam a candidatura de Lula.

“Vemos que tem três funções muito específicas nesse comportamento da mídia na linha adotada no período do golpe institucional. A função de tentar criar uma situação que não se respeitará a vontade da maioria da população brasileira. Uma ação para ocultar do debate político e as ideias que essa candidatura traz. E uma tentativa de desmobilizar a base de apoio, tanto organizada como pulverizada, em defesa da candidatura do ex-presidente Lula. Lamentavelmente, a mídia não traz ao debate o fortalecimento do contraditório, pelo contrário, constrói uma narrativa que tem por objetivo tirar do debate político uma visão alternativa ao processo político e em especial ao projeto de modelo neoliberal”, explica o professor da Unesp.

Juarez chamou esse comportamento da grande mídia de “discurso único”, uma expressão elaborada pelo também professor Milton Santos, geógrafo brasileiro considerado por muitos como o maior pensador da história da Geografia no Brasil e um dos maiores do mundo.

“Elimina a possibilidade de contraditório e constrói o discurso único. É isso que a mídia tem feito. Mais do que o cerceamento da informação, há a construção de um discurso único”, disse.

“Se analisarmos as demais candidaturas com condições de fazer o debate público, tirando a do ex-presidente Lula, todas vão convergindo para uma ação política que pode ser considerada como uma ação neoliberal de desmonte do estado. A única candidatura consistente que tem condições de fazer esse contraponto seria a do ex-presidente Lula. Quando se tira esse debate, mais do que cercear informação está se construindo condições para que todo o caminho do debate político seja feito em uma única direção. É o discurso único, discurso autoritário que tem por função criar uma leitura subjetiva da realidade social que tire qualquer possibilidade de caminhos ou visões diferentes, alternativos ou contraditórios em relação à ideia majoritária”, argumenta.

Segundo o professor de Comunicação da Unesp, esse comportamento da mídia é deliberadamente articulado, tendo como objetivo consolidar uma ideia, uma visão, para que esta, consolidada, possa ser materializada numa proposta política que atenda aos seus interesses e não aos interesses da população.

Ela cita como exemplo a rejeição ao governo de Michel Temer, que assumiu o poder após articular o golpe com a oposição ao governo da presidenta Dilma.

“Uma das questões que justificou a leitura como um golpe foi o fato de ter sido adotado uma medida política que não tem foi aceita pela maioria da população. A presidenta Dilma foi eleita com uma plataforma política que não é a plataforma que tem sido adotada desde 2016. Isso caracteriza uma mudança de rumo sem a participação ativa da população”, salientou o professor, apontando a Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos públicos por 20 anos, como uma medida que se contrapõe ao projeto de governo vencedor em quatro eleições consecutivas.

“Agora, o que a mídia tenta fazer? Criar uma base, uma espécie de chassi que dê respaldo a uma política mais conservadora. A construção do discurso único tem essa função, ou seja, todo mundo discute isso e aponta na mesma direção, portanto, isso deve ser verdadeiro”, frisa Juarez.

De acordo com o professor, essa situação é complicada para a grande mídia. “Criar na subjetividade social um apoio a uma proposta política que contraria todas as reivindicações políticas e sociais construídas nesses últimos anos, em especial nos dois governos dos ex-presidente Lula e no governo e meio da presidenta Dilma, é uma tentativa de fazer a reversão das perspectivas sociais em relação às propostas políticas. É a tentativa de construir a narrativa numa direção única que dê base para a aplicação de políticas cada vez mais restritivas, conservadoras e segregadoras”, conclui.