Conceição Evaristo imortal

Na sessão de abertura de inauguração da Academia Brasileira de Letras, em 1897, Machado de Assis disse no seu discurso: “não é preciso definir esta instituição. Iniciada por um moço, aceita e completada por moços, a Academia nasce com a alma nova, naturalmente ambiciosa”. A ABL, criada por um negro – Machado de Assis –, 124 anos depois continua sendo uma instituição cultural de moços, mas de moços brancos.

Por Julieta Palmeira*

Conceição Evaristo - Divulgação

Entre os atuais 40 integrantes efetivos e perpétuos, apenas cinco mulheres. Todas brancas. A ABL perdeu a oportunidade de fazer história quando não elegeu Conceição Evaristo para a cadeira de número 7, em que o patrono é o libertário poeta baiano, Castro Alves, um abolicionista. Simbólico, não? Segundo disse Machado de Assis, a Academia nasceu com alma nova, mas parece que embolorou, mofou nos anos de tradição machista, ignorando a literatura produzida pelas mulheres e principalmente pelas mulheres negras. E literatura de qualidade.

A instituição que nasceu com o objetivo do “cultivo da língua e da literatura nacionais” não reconhece a produção literária de homens e mulheres negras. Entre os imortais, apenas um negro: o professor Domício Proença Filho.

Assumi enquanto secretária de Políticas para as Mulheres do Estado da Bahia a defesa do nome de Conceição Evaristo para ABL, reverberando iniciativas pioneiras nas redes sociais de mulheres que organizam os Diálogos Insubmissos de Mulheres Negras.

Desde então nos incluímos, cotidianamente, nessa defesa da candidatura da escritora, que teve dois momentos culminantes na Bahia: o ato cultural idealizado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres e o Núcleo Pro-Equidade de Gênero da Bahiagas, com apoio da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e Secretaria da Cultura, além de artistas e escritores locais. E outro momento na Feira Literária de Mucugê, a Fligê, que a escolheu como homenageada.

A candidatura de Conceição Evaristo sempre se justificará, antes de tudo, pela qualidade de sua obra. Conceição publicou sete livros, três deles traduzidos no exterior: França. Estados Unidos, México. Vencedora do prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira, com o livro de contos “Olhos D’agua”, a escritora também foi premiada pelo Governo de Minas Gerais pelo conjunto da obra.

Conceição Evaristo é uma referência na literatura brasileira, considerada pela crítica especializada como uma das mais importantes autoras da atualidade. Seus livros trazem memórias e histórias que visibilizam o povo negro e a luta contra o racismo e o machismo. Escreve desde a juventude, mas só conseguiu publicar pela primeira vez aos 44 anos. A obra de Conceição, marcada pelo realismo poético, com presença feminina marcante, tem sido objeto de artigos, dissertações e teses. Não seriam esses motivos suficientes para credenciá-la imortal da ABL? A candidatura de Conceição à ABL contestou critérios que defendem uma suposta literatura universal, mas que não tem nada de universal, porque não contempla a riqueza da diversidade. Ao contrário, é excludente.

A presença de Conceição Evaristo traria para a ABL o mundo da gente brasileira, as histórias dos quilombos, da resistência, da população negra pós-abolicionismo sob a ótica de quem tem relações intimas com essa realidade. A presença de Conceição na ABL traria frescor a uma instituição que precisa e deve ter entre os seus integrantes, representantes da gente brasileira que cultiva, com primor e estilo, a língua e a literatura nacional.

Quando Raquel de Queiroz assumiu uma cadeira na ABL em 1977 entrou para a história como a primeira mulher a ser uma imortal. Só em 76, a Academia mudou o estatuto e permitiu que mulheres se candidatassem. Passadas mais de três décadas, a ABL pouco se abriu para a produção literária das mulheres. Não podemos naturalizar que durante todo esse tempo, não tenhamos tido escritoras que pudessem ser contempladas. Conceição não venceu, mas abriu portas para que outras tantas autoras negras ousem se candidatar, ambicionem ocupar os lugares, prioritariamente reservado aos homens e brancos. E espero que ela continue sendo candidata. Sua obra a credencia. Chegará o dia em que a Academia Brasileira de Letras deixará de ser uma instituição de moços brancos. Salve Conceição Evaristo!