Juliana Diniz: Lula, o candidato da maioria ilegal

“Embora não surpreenda, a decisão do TSE confirmou uma característica marcante desta eleição pós-impeachment: à revelia das intenções de voto e das escolhas partidárias, o protagonismo é das togas. O cenário eleitoral foi definido pela decisão de uma corte”.

Por Juliana Diniz*

lula

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pôs fim a mais um capítulo da disputa presidencial brasileira: por seis votos a um, vetou a candidatura de Lula, considerado inelegível. Embora não surpreenda, a decisão confirmou uma característica marcante desta eleição pós-impeachment: à revelia das intenções de voto e das escolhas partidárias, o protagonismo é das togas. O cenário eleitoral foi definido pela decisão de uma corte.

Barroso julgou pela inelegibilidade do petista. Na condição de relator, atribuiu ao dever cívico a pressa em pautar as impugnações à candidatura de Lula. Seu voto baseou-se em regra da lei da ficha limpa que prevê como causa de inelegibilidade a condenação em segunda instância. A norma, objeto de inúmeros questionamentos no Supremo, impõe uma restrição ao direito de ser votado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. À luz de uma interpretação técnica, representa um atentado à presunção de inocência por meio da supressão de direitos políticos.

É difícil de explicar ao eleitor leigo que seu voto dependa de uma disputa de teses em torno da interpretação constitucional, especialmente diante da estratégia argumentativa do relator. Ao enfrentar a dúvida sobre a constitucionalidade da lei que embasaria seu voto, Barroso defendeu a validade sob o argumento de que a norma decorre de uma ampla iniciativa popular no combate anticorrupção. A lei seria legítima e constitucional por ter sido aprovada por maioria no parlamento.

É neste ponto que o paradoxo da argumentação de Barroso ofende a inteligência do eleitor: a maioria que bastou para validar uma lei não parece legítima para eleger Lula no próximo pleito. Em decisão contramajoritária, a pretexto de respeitar a legitimidade da maioria, Barroso acabou por criar uma falsa tensão entre legalidade e soberania popular, reforçando a sensação de que o casuísmo das suas interpretações torna o eleitorado refém da visão de direito das cortes.

O julgamento do TSE certamente dará força à narrativa de que um antipetismo influencia a seletividade com que setores do Judiciário e do Ministério Público cuidam da situação jurídica do ex-presidente. Tratado com atípica celeridade, Lula viu seu processo ser julgado em duas instâncias em tempo recorde, um cuidado que não foi dispensado a outros candidatos também afetados por escândalos de corrupção. A decisão do recurso que determinou sua inexigibilidade só foi possível graças a uma manobra do TRF-4, que deu prioridade ao caso de Lula em relação a processos mais antigos, ainda pendentes de julgamento.

Impedida de votar em seu candidato, a maioria terá de optar entre o vice de Lula ou um de seus adversários. A justiça, autoproclamada guardiã da democracia, definiu quem pode ser votado. Também atestou a atualidade da histórica charge de Henfil, publicada no contexto das passeatas pelas Diretas-Já, em 1984. Na imagem, um militar armado de cassetete grita num autofalante para a uma multidão mobilizada para votar. A frase é clara: voltem para as suas casas, o povo é ilegal.


*Juliana Diniz é professora universitária e escritora

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