A economia como essência do debate eleitoral

A imposição midiática de um pensamento único sobre propostas para o país sair da crise impede um debate amplo, envolvendo diferentes pontos de vista sobre o tema. Esse é um grande desafio da atual campanha eleitoral.

Por Osvaldo Bertolino*

Segundo turno acontece neste domingo (29) - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom - Agência Brasil

A relevância do debate econômico nesta campanha eleitoral é um fenômeno revelador das complexidades atuais do país. O regime de monopólio da mídia impede uma visão mais ampla sobre o tema, mas é importante considerar que essa é a questão essencial das candidaturas presidenciais. Também é preciso ter em conta que essa linha midiática decorre da imposição do golpe de 2016, que rasgou o programa de governo eleito em 2016 para restaurar a ordem neoliberal derrotada em todas as eleições presidenciais desde 2002.

Até lá, com idas e vinda, prevaleceu a ideia inaugurada na virada das décadas 1070-1980 pelos governos de Margareth Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (Estados Unidos). Ali começou a pregação fundamentalista de que as “forças de mercado” substituiriam com sucesso a “vontade dos governos”. A justificativa para isso era a suposição arbitrária de que os defeitos dos governos seriam mais perversos à sociedade do que as falhas do mercado.

A essa ideia somou-se uma outra: a de que os países menos desenvolvidos deveriam afrouxar os controles para a circulação de capitais em suas fronteiras, reduzindo drasticamente o papel do Estado na economia real, uma tese que via o mundo em sua fase final da história. Ao se fazer isso, apareceu o dilema: como garantir um mínimo de bem-estar para uma grande parte da população, um problema particularmente importante para os países com muitas pessoas pobres, como é o caso do Brasil? Como distribuir riqueza de forma eficiente?

Entre os fatores determinantes para a melhor utilização dos recursos disponíveis estão o papel do Estado como um ente preparado para a prestação de serviços sociais, os investimentos em infraestrutura e a elevação dos salários. No fundo, esse é o debate que realmente interessa. O Brasil precisa de uma taxa crescimento elevada e que ela seja contínua — conceito que alguns chamam de “crescimento sustentável”.

Para reduzir a pobreza, elevando a renda per capita, estudos mostram que o Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer entre 5% e 6% ao ano apenas para incorporar os trabalhadores que entram anualmente no mercado de trabalho. É possível? Sim! Países desenvolvidos já possuem usinas de energia, estradas e outras infraestruturas para atender às suas necessidades. Nesses casos, o crescimento tende a ser naturalmente mais lento. Mas no Brasil ainda há muito o que fazer.

Reflexão inspiradora

Outro dado relevante: crescimento não é igual a desenvolvimento. Entre o final dos anos 1960 e o início da década de 1980, o Brasil cresceu a taxas anuais superiores a 8%. Nem por isso as desigualdades de renda diminuíram na mesma proporção. A Finlândia não cresceu tanto, mas sua população de 5 milhões de habitantes tem uma renda per capita em torno de 20 mil dólares, segundo o Banco Mundial. Sob diversos parâmetros — expectativa de vida, taxa de mortalidade infantil, índices de escolaridade —, os finlandeses têm características de país muito mais desenvolvido que o Brasil.

Para crescer e desenvolver-se, um país precisa, antes de tudo, aumentar a sua produtividade. Isso é feito, basicamente, pela incorporação de máquinas mais modernas, pela qualificação da mão-de-obra e pela adoção de formas mais eficientes de produzir. E a riqueza produzida precisa ser melhor distribuída por meio de investimentos sociais e infraestruturais, e da elevação da renda para quem vive de salários.

O pensamento progressista latino-americano há tempos discute os obstáculos impostos à industrialização do sub-continente. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) foi a referência maior nesse debate, inaugurado pela reflexão inspiradora de Raúl Prebisch sobre os vínculos desiguais entre as economias centrais e as regiões periféricas, e a necessidade de maior coordenação entre os países da América Latina para superar óbices como a deterioração continuada dos termos de nosso intercâmbio com a Europa e os Estados Unidos.

Estado do mal-estar social

Sabemos que no Brasil esse desafio começou a ser enfrentando como efetividade somente do cliclo de governos democráticos e progressistas dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. O país levou a cabo um extenso programa de substituição de importações, modernizou seu parque industrial, mas manteve largos segmentos inteiramente à margem do processo produtivo, sem acesso às benesses do crescimento.

Com poucos governos de visão social, o Estado esteve por muito tempo ausente não apenas da tarefa de distribuir renda mas também da de habilitar toda a sociedade a participar da dinâmica produtiva. A máquina pública expandiu-se, mas para contemplar interesses elitistas, sem atenção aos reclamos da maioria da população. Na “era neoliberal”, o assédio institucionalizado de setores privilegiados aos canais de decisão foi explícito. Acentuou-se o vício histórico do patrimonialismo, em que o público se vê refém do privado.

Essa situação começou a mudar com o governo Lula. Com o avanço da cidadania, a sociedade também avançou. Multiplicaram-se as instâncias de representação. Os movimentos populares abriram espaços cada vez mais amplos para o debate público. Mas o Estado precisava ser mais bem preparado para desempenhar suas tarefas. Os nichos historicamente privilegiados deveriam ser postos sob o crivo de segmentos sociais mais vigilantes para impor limites à privatização do Erário.

Os governos progressistas fizeram esforços para democratizar o Estado, para que ele se tornasse mais transparente e responsável. Iniciou a concertação do poder público com os movimentos sociais. Pode-se dizer que seu a iniciar a transição de um Estado do mal-estar social para a possibilidade de se ter um Estado virtuoso, que assegurasse a todos os brasileiros condições satisfatórias de vida. O problema é quem parte desse ciclo vigorou uma política monetária indomada e uma condução tímida das diversas políticas públicas.

Pacote de medidas

Ao se olhar nesse retrovisor, surge como desafio enfrentar a linha neoliberal restaurada pelo golpe. Aquela diretriz que de 1979, quando o então ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, deixou o comando da equipe econômica recomendando ao seu sucessor, Antônio Delfim Netto, ideias como “estabilidade”, “necessidade de ajustes” e “austeridade fiscal”. Em seu discurso de posse, o novo ministro pediu aos empresários que preparassem suas máquinas para uma época de muito trabalho.

Por trás daquela troca de comando estavam concepções plantadas pela ditadura militar e que resultaram, nos anos 1980, na famosa “década perdida”. Somava-se ao diagnóstico conservador a afirmação de Simonsen de que o Brasil não teria como sustentar o ritmo vigoroso de crescimento dos anos 1970 e que ''duros ajustes'' eram necessários. O resultado? Bem, não é preciso muito conhecimento de economia para saber quem pagou a conta daquele desastre.

As marcas na vida do país foram profundas: inflação fora de controle por longos 15 anos, o que originou uma sucessão de fracassados planos econômicos; pouco investimento em atividades produtivas; descrédito internacional e por aí a lista segue. Chegamos à “estabilidade” da “era FHC” e por consequência ao fundo do poço. A oposição àquele modelo ''ortodoxo'' venceu as eleições de 2002 e o governo Lula pagou o preço de tentar tirar o país do pântano.

Essa história toda renasceu das cinzas com o golpe de 2016 e, mais uma vez, duas correntes de opinião divergentes marcam o debate econômico. A primeira coloca o “ajuste fiscal” acima de tudo. A segunda defende que o país deve buscar a volta do crescimento, explicando que isso não será possível sem um pacote de medidas para destravar o país.

Ortodoxia de galinheiro

Os conservadores, como sempre, gostam de manipular esse tipo de debate. Há algum tempo, o instituto de pesquisa Vox Populi, de Belo Horizonte, perguntou aos brasileiros se eles preferem mais inflação e mais emprego ou a mesma inflação com o mesmo desemprego. Apenas 11% preferiram a segunda opção, contra 38% que disseram aceitar mais inflação se fosse acompanhada de mais empregos. Foi o sinal para que uma série impressionante de bobagens começasse a aparecer nos jornais.

Os ''comentaristas'' não perderam a oportunidade para atacar ''o vírus do populismo'' —aquilo que o economista Paulo Batista Nogueira Júnior definiu como “ortodoxia de galinheiro”. "Os seus praticantes costumam ser economistas locais, treinados (a palavra certa talvez seja 'adestrados') em universidades americanas, no FMI e em outras instituições financeiras multilaterais sediadas em Washington. São eternos alunos, sempre ansiosos para 'fazer o dever de casa' e receber o endosso dos seus mestres e mentores intelectuais. Mostram-se frequentemente dispostos a ser mais realistas do que o rei e a aplicar com mais zelo doutrinas, não muito bem digeridas, aprendidas com os 'ortodoxos práticos'", disse ele.

O desenvolvimento do país, ao contrário do que dizem os conservadores, deve sim ser um obsessão nacional. Sem um horizonte econômico claro, não há como destravar o país. Crescimento sustentado quer dizer que o país consegue financiá-lo de forma não-inflacionária e sem pressões externas.