Independência – Uma questão Geopolítica

Em um mundo onde a globalização neoliberal só permite a livre circulação dos capitais, enquanto afoga imigrantes em alto-mar ou os prende em gaiolas, separando-os dos seus filhos, a luta pela soberania nacional continua na ordem do dia e, no caso do Brasil, a independência ainda é, claramente, uma obra inacabada.

Por Wevergton Brito Lima*

Geopolítica Brasil - Ilustração: Amorim

Talvez por isso a comemoração da independência, no dia 7 de setembro, signifique, para a imensa maioria da população brasileira, pouco mais do que uma data em que é feriado, não despertando maiores reflexões.

A falta de consciência nacional entre significativa parcela da população brasileira não é um problema casual; faz parte de um projeto geopolítico que pode ser resumido da seguinte maneira: aos países da periferia do sistema capitalista deve ser interditado pensar em um projeto de desenvolvimento independente e soberano.

Esta consigna conta com poderosos instrumentos militares, econômicos e midiáticos para se impor, mas enfrenta resistência cerrada e encontra-se envolta em grandes contradições.
Atualmente vivemos um quadro mundial marcado por uma permanente tensão, pela invariável instabilidade e pela constante ameaça à paz mundial.

De um lado, temos o surgimento de novos polos de poder, expressos por países e articulações multilaterais, China, Rússia, Brics, etc., e do outro a luta para manter a qualquer custo a Nova Ordem Mundial – hoje já velha – que se consolidou depois do fim da União Soviética e dos países socialistas do Leste Europeu, ordem dominada pelo binômio EUA – União Europeia, tendo como instrumentos principais a Otan e o FMI.

Em relação dialética com este fenômeno liga-se a persistente crise do capitalismo, para a qual desde 2007 não se consegue encontrar saídas que permitam a retomada de um ciclo de crescimento e geração de emprego dentro dos marcos das sacrossantas receitas neoliberais.
Sendo assim, e com a predominância política do capital financeiro internacional, que não admite qualquer tipo de recuo em relação aos privilégios que já conquistou, intensifica-se o recurso às sanções, às agressões e à guerra para reafirmar a configuração geopolítica surgida depois da queda do muro de Berlim.

Foi pouco noticiado, por razões óbvias, que em agosto o Congresso americano aprovou um orçamento militar para 2019 de 716 bilhões de dólares, o maior da história. O orçamento dos EUA de 2019 tem 82 bilhões a mais do que o de 2018, que já era estratosférico. Este novo valor é o triplo dos gastos somados de Rússia e China em matéria de defesa.

O recado é claro: diante da crise da globalização neoliberal, os instrumentos de coerção ficam cada vez mais visíveis e poderosos.

Em um cenário assim, a margem de manobra para países como o Brasil afirmar um modelo soberano depende muito de alianças regionais e globais que sustentem politicamente, financeiramente e até militarmente uma “frente única” capaz de resistir às investidas imperialistas.

Neste ponto, o golpe de estado de 2016 foi um grande revés. Não é por acaso que o governo Temer começou a minar desde o primeiro dia a integração latino-americana, atacando a Venezuela, abrindo, pela primeira vez na história, a Amazônia para exercícios militares “humanitários” com a participação de tropas dos EUA, retomando as negociações para ceder a base de Alcântara aos EUA, etc. Também desmontou a legislação com que os governo Lula e Dilma planejaram – com a importante participação dos comunistas – a exploração de petróleo na camada de pré-sal, que direcionava esta imensa riqueza a favor do povo e da soberania nacional.

O congelamento de 20 anos imposto por Temer nos gastos públicos também afeta duramente o orçamento militar brasileiro, hoje já trinta vezes menor do que o dos EUA.

Em janeiro, um documento do Ministério da Defesa do Brasil, intitulado “Cenário de Defesa 2020-2039”, protestava timidamente: “as demandas reprimidas por décadas, bem como a limitação orçamentária imposta pelo novo regime fiscal, ampliarão a obsolescência e inviabilizarão a configuração das atuais forças armadas em padrões de potência militar de médio porte”.

A lanterna de Diógenes

É bem conhecida de todos a história de Diógenes de Sinope, filósofo que vivia com um lanterna a procurar “um homem honesto” ou “a verdade”.

Se brasileiro fosse, o Diógenes, que pelo visto gosta de missões complicadas, deveria procurar patriotas entre as elites brasileiras, inclusive as elites militares. Certamente ele encontraria um ou outro, nem tantos, na verdade, pois como já dizia o revolucionário e intelectual peruano José Carlos Mariátegui: “As burguesias nacionais (…) que enxergam na cooperação com o imperialismo a melhor fonte de proveitos, sentem-se suficientemente donas do poder político para não se preocuparem seriamente com a soberania nacional”.

Para quem teve a paciência de ler este artigo até aqui e concorda pelo menos em parte, é ocioso salientar a importância da eleição de 7 de outubro no rumo da verdadeira independência nacional.

É vital, é imperioso, é decisivo que as forças progressistas vençam a eleição. Mas não só. Que desta vez aposte-se a sério em um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (NPND) que tenha o povo como força principal.

Para isso é indispensável que as correntes progressistas, democráticas e patrióticas tenham a capacidade de transformar a questão nacional em um discurso compreensível para as massas, em que elas sejam despertadas para o fato de que a vida cotidiana é afetada pelo que acontece "no estrangeiro" e pela posição do seu país no mundo. Outros povos, em condições menos favoráveis, já provaram que isso é possível.

Com a força dos trabalhadores poderemos dispensar Diógenes e sua lanterna, pois os verdadeiros nacionalistas (na melhor acepção da palavra) formarão conosco na obra de construir o NPND o que passará, necessariamente, pela integração solidária da América Latina e Caribe e por uma nova configuração do ordenamento mundial.