Parte da sociedade civil 'jogou gasolina' em processo que ficou sem controle

 Análise é do presidente do Instituto Ethos, para quem organizações e empresários também precisam fazer autocrítica após terem atuado para dificultar a construção de consensos no país.

O presidente do Instituto Ethos, Caio Magri

 No começo de julho, Jair Bolsonaro participou de evento na Confederação Nacional da Indústria (CNI), na ocasião, ainda como pré-candidato à Presidência da República. Outros cinco presidenciáveis também estiveram no mesmo palco, mas nenhum foi tão aplaudido quanto o ex-capitão do Exército. O fato foi lembrado nesta segunda-feira (24) pelo diretor-presidente do Instituto Ethos, Caio Magri, como exemplo de que não só os partidos, mas também setores da sociedade civil precisam fazer autocrítica sobre o momento do país.

“Ninguém consegue imaginar quais seriam as consequências disto (a eleição de Bolsonaro), e continuam olhando estupidamente para o seu umbigo e os lucros possíveis. Mas existe outro dado da realidade que é importante: não está dando certo. A economia não se mexeu, não avançou, pelo contrário, as empresas estão com dificuldades enormes, atacadas fortemente por investimentos internacionais que atingem setores estratégicos, como infraestrutura, petróleo e gás, agronegócio”, afirmou Magri, em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, na Rádio Brasil Atual.

Ele reconhece que para muitos empresários a perspectiva econômica é preponderante sobre outros princípios, entretanto, acredita haver um “desembarque silencioso” da postura que levou o país a situação atual. Como exemplo, cita a crítica feita por Horácio Lafer Piva, ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) no dia seguinte à ida de Bolsonaro à CNI; a declaração de Oded Grajew, definindo os empresários brasileiros como “míopes e estúpidos”; e o manifesto “Democracia Sim”, lançado no último final de semana e já com mais de 32 mil adesões em poucas horas, incluindo importantes nomes do meio empresarial.

O diretor-presidente do Instituto Ethos avalia que parte importante do empresariado está arrependida com as decisões tomadas nos últimos anos e, agora, procura por outros caminhos. “O problema é que esticamos tanto a corda, fortalecemos tanto as bolhas nestes últimos cinco anos… E esperar que agora, num momento eleitoral de luta pelo poder, tivesse um centro organizado capaz de responder à sociedade, é absolutamente impossível. A gente investiu num processo de radicalização, a mídia tem suas responsabilidades, os partidos políticos, as lideranças da sociedade”, afirma Caio Magri.

Na expectativa de passar “positivamente” pelo processo eleitoral, ele acredita que depois dessa etapa caberá à sociedade civil fazer uma autocrítica sobre onde errou ao não permitir a construção de consensos no Brasil, na perspectiva de fortalecimento da democracia, da liberdade e dos valores de justiça social.

“É importante que a sociedade civil faça uma reflexão sobre onde também as organizações foram omissas ou jogaram gasolina num processo em que depois não se tinha mais controle sobre ele, a possibilidade de governança para um campo de construção de consensos que são necessários para continuarmos evoluindo como um país democrático e uma sociedade civilizada”, explica.

Magri acredita que as eleições não serão suficientes para resolver os graves problemas do país, algo só possível se houvesse uma verdadeira renovação de deputados e senadores. “O Congresso é a instância mais poderosa da República nesta conjuntura de fragilidades do presidencialismo. Nós vamos ter um Congresso igual, talvez pior, dizem alguns. Eu continuo na esperança de que pode ser um pouco melhor, mas não necessariamente o Congresso que a gente precisaria para fazer as reformas ligadas ao sentimento popular e as reformas estruturais que o povo precisa”, destaca, citando como exemplo as reformas política, tributária e da Previdência, “mas num sistema que garanta seguridade social e direitos para todos”.

“Essas são questão necessárias, de fundo, que a gente não vai conseguir resolver com as eleições, mas precisamos nos organizar para ser uma força política da sociedade civil assumindo que precisamos avançar em determinadas pautas e pressionar o novo Congresso e o novo governo a avançar nesta direção.”

Criado em 1998 para engajar as empresas a adotarem uma gestão socialmente responsável e reuni-las em parcerias na construção de políticas públicas que melhorem a qualidade de vida, reduzam a desigualdade e construam uma perspectiva sustentável, o Instituto Ethos lançará nos próximos dias um manifesto sobre a situação do país.

“Um manifesto que deixe claro que é necessário um posicionamento de todos os agentes políticos e lideranças do país. Não dá para silenciar neste momento, face aos graves riscos que a gente tem à democracia, às conquistas que acumulou ao longo dos anos para os próprios negócios e para o próprio capitalismo. Não estamos saindo dessa agenda, porque essa é a agenda das empresas”, explicou.