Bolsonaro faz escola na Argentina, Macri apela para o ódio

Em seu pior momento político, Mauricio Macri encontrou um modelo no Brasil. Agora, tenta imitar Jair Bolsonaro, o candidato da ultradireita que busca vencer as eleições semeando o ódio.

Por Martín Granovsky

Maurício Macri - Efe

Justo enquanto assinava um acordo que coloca um cinturão de castidade no crescimento da economia argentina nos próximos anos, o governo fabricou duas situações públicas, utilizando o desespero de um churrasqueiro e a ilusão de dois pizzaiolos. O desespero por gerar alguma notícia que não seja a miséria e o desejo de crescer nas pesquisas parece ter levado a Casa Rosada a apostar em qualquer coisa, como tirar do anonimato a filha do presidente, Antonia, e usá-la como personagem publicitário.

É a primeira vez que a menina, a ponto de completar sete anos (no dia 12 de outubro), deixou de ser somente uma simpática referência familiar. A maquinária de propaganda oficial a incluiu na campanha que gira ao redor do eixo da nova estratégia do PRO (Partido Alternativa Republicana, ao qual Macri pertence). Sua imagem também ficou associada – de forma involuntária, claro, já que se trata de uma criança – a uma polêmica que incluiu o uso de um helicóptero do Ministério de Segurança.

Saídos do armário

Jair Bolsonaro é um ex-capitão reformado do Exército brasileiro que está em primeiro nas pesquisas de intenção de voto para o primeiro turno das eleições presidenciais de 7 de outubro, segundo as pesquisas. Ele é seguido de perto pelo dirigente do Partido dos Trabalhadores e ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), o escolhido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (preso em Curitiba) para ser o seu representante. Se nada mudar nesta última semana, no próximo domingo, os dois serão escolhidos para ir a um segundo turno, no dia 28 de outubro.

O estilo de Bolsonaro se baseia em estimular os preconceitos e o ódio político aos seus adversários. Por exemplo, uma de suas características é a misoginia de seus gestos e declarações, e um episódio em 2014 que mostra isso claramente foi quando atacou a ex-ministra dos Direitos Humanos e atual deputada Maria do Rosário (PT), dizendo a ela que “eu não te estupro porque você não merece”. Depois procurou esclarecer sua frase: “ela não merece ser estuprada porque é muito feia, não gosto, jamais a estupraria. Não sou um estuprador, se fosse, não a estupraria porque ela não merece”. Em 2017, a deputada conseguiu que Bolsonaro fosse condenado pelas declarações.

No último sábado (29/9), o ex-paraquedista militar foi repudiado em dezenas de cidades do Brasil e do mundo com manifestações multitudinárias sob o lema “Ele não”.

Bolsonaro também já teve que indenizar uma comunidade de afrodescendentes porque disse que as pessoas pertencentes a ela “não servem nem para procriar”.

Nos atos de sua campanha, ele promove a pena de morte para os delitos graves. Preocupado por ser ilustrativo, durante um comício, levantou um tripé de uma câmera e o segurou como se fosse uma metralhadora, e afirmou que a usaria para “metralhar petistas”, em alusão aos seguidores do PT de Lula e Haddad.

A investigadora espanhola Esther Solano, radicada no Brasil, é autora de um livro chamado “O Ódio Como Política”, e disse, em entrevista à revista brasileira “Carta Capital”, que Bolsonaro reforça a imagem que o eleitorado mais duro e conservador tem de si mesmo. “Ao ter pela primeira vez um candidato que se coloca como antissistema, com um discurso de ódio que antes era visto como malvado, que estava muito mais escondido, ficou claro que existe todo um grupo social que acredita nisso”.

“A extrema direita saiu do armário e pode circular livremente com o seu ódio”, disse Solano. “Para muitos, já não parece tão incorreto dizer barbaridades”. Essa situação tem vários agravantes, segundo a investigadora: “os neofascistas europeus usam o fantasma do estrangeiro e do imigrante, mas no Brasil o inimigo é interno: por exemplo, o negro pobre das periferias”.

Colocar o ombro

Em Macri, a bolsonarização não está ligada à misoginia ou ao racismo explícito. Parece mais baseada na invenção de um bode expiatório que merece todo o ódio. Ás vezes, aparece em suas mensagens que se referem aos “patoteros” (expressão pejorativa para dizer que desempregados são assim porque querem) ou aos “piqueteros” (outro termo pejorativo, para desqualificar pessoas que participam de greves).

Recentemente, o presidente publicou um vídeo em sua página de Facebook e escreveu: “Danilo é churrasqueiro em San Nicolás, e está, neste vídeo, discutindo com um grupo inflexível de piqueteros que interrompe a rua, justo onde ele tem o seu local de comidas. Na última terça-feira (25/9), os argentinos se emocionaram ao vê-lo chorar. Ele é um trabalhador como tantos outros, que está lutando neste momento difícil e que só pede para deixarem ele trabalhar”. Em outro parágrafo, escrever que “o vídeo impressiona, por vermos como Danilo enfrenta sozinho um grupo organizado que tenta atacá-lo. Ontem, eu liguei para ele e disse que não está sozinho nesta luta. Somos milhões de argentinos os que estamos com ele”.

A publicação, é do dia 27 de setembro. Entretanto, a montagem oficial do vídeo mostra somente uma mulher que fala com o churrasqueiro, e tenta conter seu desespero devido à perda de um dia de trabalho. Nesse momento, a cena se corta e aparece Macri dialogando por telefone com um Danilo que, não se sabe porque, conta ao presidente a inquietude que sentia ao imaginar que talvez receberia aquela ligação.

“Como não vou ligar, se você é o exemplo que queremos para este país, colocando o ombro e querendo trabalhar?”, responde Macri.

Na terça, quando o presidente afirmou que havia se comovido com o caso de Danilo, na verdade estava concluindo sua viagem à Nova York. Já havia bailado com a milionária Adrianne Arsht, e lançado uma cantada à diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde: “devo confessar que começamos com Christine uma grande relação, que espero que funcione muito bem, e que termine com toda a Argentina apaixonada por ela”.

Foi o elogio que abriu o caminho para o acordo com o FMI, anunciado por Nicolás Dujovne na mesma quinta-feira 27 de setembro em que o presidente publicou o vídeo de Danilo. Agora, o pobre churrasqueiro talvez deva enfrentar um obstáculo mais difícil que uma rua cortada por uma greve de um dia: o governo se comprometeu com uma meta de déficit primário zero (só haverá déficit tolerado quando se consiga pagar os juros da dívida) e não emissão de moeda. O amor tem a cara fria.

Uma semaninha

O cenário de recessão atual e futuro é tão evidente que o próprio Macri se encarregou de naturalizá-lo, mencionando-o como se fosse mais um dos fenômenos meteorológicos que costumam desabar sobre a Argentina.

Na quarta-feira (26/9), o presidente visitou Il Calzone della Nonna, uma pizzaria que fica a 35 quilômetros da Casa Rosada, e destacou o detalhe curioso de que os donos, Verónica Krieger e Federico Nicotra, resolveram se tornar empreendedores recentemente, bem em meio a um cenário recessivo.

Qualquer um poderia pensar que foi uma estupidez. Não se deve descartar essa hipótese. Tampouco se pode menosprezar a estratégia governista de que “em meio à recessão também se pode investir”, uma versão atualizada do “Sim, podemos” de Obama.

“Inauguraram há pouco, não?”, pergunta Macri.

“Há uma semaninha”, respondem os donos, “mas estamos com muita vontade, de verdade”.

E Macri devolve “abriram em um momento em que vamos a ter uma recessão de alguns meses”.

“Se somente criticarmos, é muito difícil vencer este momento”, diz Verónica.

“Por isso confiamos em sua gestão”, completa Federico.

Depois disso, aparece uma imagem com Antonia brincando e mostrando um movimento de taekwondo que a câmera enfocou.

A presença da menina foi planejada. Na mesma quarta, Macri a buscou em sua escola, e a levou em helicóptero, um Eurocopter H155 recém comprado pelo Ministério de Segurança, por 10 milhões de dólares. O escândalo inicial com o gasto em helicópteros derivou em um debate sobre se era lícito que o presidente buscasse sua filha em um deles. “Não é uma atividade oficial, portanto é discutível usá-lo, mas tampouco está tão errado”, foi o argumento dos jornalistas mais condescendentes, que tratam Macri com simpatia, e que justificaram o uso da aeronave com o comunicado oficial de que havia mudanças na agenda do presidente. Talvez os meios ainda não sabiam que se tratava de uma visita de Estado ao Il Calzone della Nonna.

No mesmo dia, de noite, o presidente publica outra mensagem: “NO LOCAL DE VERÓNICA E FEDERICO, que inauguraram o Il Calzone della Nonna, um restaurante que se dedica aos calzones artesanais. Há pouco tempo, me escreveram por Facebook e hoje vim visitá-los com Antonia, em seu novo empreendimento”.

Subiu um vídeo que terminava com a legenda “Presidência da Nação” debaixo de um círculo onde se podiam ver mãos amassando uma massa para fazer o calzone.

Algo parece ser certo: Macri está seguindo um roteiro preparado por sua equipe, mas nem ele nem a equipe, deram importância ao fato de que alguém filmaria o helicóptero decolando da grama do jardim presidencial.

Trolls próprios ou indignados opositores, vai saber quem começou, mas o certo é que os dois lados fizeram a sua parte depois, insultando os pizzaiolos nas redes. Então, Macri seguiu comodamente o seu novo script, que consiste em combinar a recessão induzida com o aprofundamento da polarização social entre a classe média e os setores mais humildes. Krieger explicou pela rádio à jornalista Nancy Pazos que ela e Nicotra trabalhavam na Superintendência de Riscos do Trabalho há 10 e 17 anos, respectivamente. Disse que, em agosto, os dois se decidiram pela aposentadoria voluntária, e começaram a montar o negócio. Consultada pelo diário Página/12, a pizzaiola que parecia tão solicita no vídeo presidencial respondeu que já se sentia “muito exposta” e que não responderia mais perguntas.

Veneno

Na manhã de sexta-feira (28/9), Macri publicou um texto com título de guerra: “Estamos juntos. Não irão nos amedrontar”. E contava: “Após publicar o vídeo de minha visita no Facebook, (os pizzaiolos) começaram a receber agressões em sua página. Apareceram mensagens com linguagem de ódio, desejando que fracassem e usando termos humilhantes dirigidos a este casal que só quer trabalhar e crescer com seu próprio negócio”. E seguia assim: “o único antídoto para este veneno social que persegue inocentes é mantermos todos unidos. Temos que isolar as pessoas enraivecidas que desejam o fracasso dos demais. Contra a agressão e a perseguição, os argentinos pacíficos temos que estar mais juntos que nunca, ter firmeza, esperança e coragem. Os que querem que a Argentina supere os problemas são muito mais que os desejam vê-la na bancarrota. Não vão nos amedrontar nem fazer o país retroceder ao passado. Mudamos”.

O Página/12 publicou, no dia seguinte, como os termos “veneno social” e “pessoas enraivecias”, usadas assim em um mesmo parágrafo, marcam uma coincidência entre o texto de Macri e um trecho do livro “Minha Luta”, de Adolf Hitler, na parte em que faz alusão a Karl Marx. É possível que algum escriba da Casa Rosada, da seção de redes sociais, tenha achado que a força dos dois conceitos juntos era o suficiente para usá-los neste caso. Se isso é verdade, talvez o governo opte por ter mais cuidado no futuro. A não ser que, precisamente, sua opção tenha sido não ter cuidado algum. Seria a forma de alcançar o objetivo supremo de alimentar um inimigo interno fictício, o qual os cidadãos de bem deveriam odiar com todas as forças, em meio à recessão voraz que é melhor não perceber.