Krugman alerta para política contra a democracia da extrema direita

Analista aponta ação coordenada do Partido Republicano. 

EUA

Em artigo no jornal norte-americano The New York Times, reproduzido pela Folha de S. Paulo, intitulado "O jogo monstruoso dos conservadores", o analista e economista Paul Krugman comenta a afirmação do juiz republicano Reed O'Connor de que toda a Lei de Acesso à Saúde é inconstitucional. Segundo Krugman, as eleições legislativas americanas foram em grande parte um referendo sobre a Lei de Acesso à Saúde.  O sistema de saúde, e não Donald Trump, dominou a campanha do Partido Democrata. E o veredicto dos eleitores foi claro: eles querem que as realizações do Obamacare, a maneira pela qual o sistema conferiu cobertura de saúde a 20 milhões de pessoas que antes não dispunham dela, sejam mantidas.

O analista diz que a declaração de Reed O'Connor, um juiz altamente parcial conhecido por transformar seu poder judicial em arma, atinge a proteção aos pacientes portadores de doenças preexistentes, os subsídios que ajudam famílias a bancar planos de saúde e a expansão do programa federal de saúde Medicaid. Uma consequência inconstitucional. Segundo ele, especialistas judiciais da esquerda e da direita ridicularizam  o raciocínio do juiz e descreveram sua decisão como "ativismo político escancarado". "E a decisão provavelmente não será sustentada pelas instâncias superiores", avalia Krugman, ressalvando que não se "confie muito em que a sabotagem dele será revertida".

De acordo com sua análise, o abuso de poder de O'Connor pode ser incomumente cru, mas essa forma de comportamento vem se tornando cada vez mais comum. "E não só quanto à saúde, ou nos tribunais. O que a deputada federal Nancy Pelosi definiu como "o plano de jogo monstruoso" para o ataque republicano ao sistema de saúde é apenas uma das partes de uma campanha em múltiplas frentes, na qual o Partido Republicano tentará contrariar a vontade dos eleitores e solapar a democracia em geral", escreve.

Para Krugman,  embora se possa "congratular pela força de nossas instituições políticas, no final as instituições consistem de pessoas, e só cumprem seus papéis caso as pessoas respeitem seu propósito declarado". O Estado de Direito depende não só do que está escrito nas leis mas do comportamento daqueles que as interpretam e fazem aplicar as normas", analisa. "Se as pessoas não se se virem como servidores da lei em primeiro lugar e membros de partidos em segundo, se não subordinarem seus objetivos políticos ao seu dever de preservar o sistema, a lei perde o significado e só o poder importa", alerta.

Segundo ele, nos Estados Unidos está se vendo — e já há anos, ainda que boa parte da mídia noticiosa e do sistema político se recuse a reconhecer o fato — é uma invasão das instituições por partidários da direita cuja lealdade é para com seu partido, e não para com princípios. "A invasão está corroendo a república, e a corrosão já está muito adiantada", afirma. "Uso o termo 'direitista' deliberadamente. Há más pessoas em ambos os partidos, como em qualquer área da vida. Mas os partidos são estruturalmente diferentes. O Partido Democrata é uma coalizão frouxa de grupos de interesses, mas o Partido Republicano moderno é dominado pelo 'movimento conservador', uma estrutura monolítica cuja união é mantido por dinheiro grosso — muitas vezes empregado de maneira clandestina— e pelo ecossistema intelectual fechado da Fox News e outras organizações de mídia partidárias", escreve.

De acordo com Krugman, as pessoas que ascendem nesse movimento são todas quadros do partido, em grau muito maior do que acontece na agremiação rival: lideranças que se apegam inflexivelmente à mensagem do partido. "Os republicamos vêm apontando pessoas desse tipo para postos judiciais há décadas. O'Connor foi indicado por George W. Bush. É por isso que sua decisão, por mais deficiente que seja o raciocínio legal que ele empregou para tomá-la, não foi grande surpresa. A única questão é determinar se ele imaginou que uma farsa como essa passaria impune. Obviamente sim, e pode ser que tenha razão", destaca.