Henrique Araújo: As consequências políticas de 2018

"Essa talvez tenha sido a grande característica de 2018: os doze meses que se encerram agora produziram um número significativo de acontecimentos que definiram não apenas a temporada, mas seguirão reverberando por muito tempo ainda”.

Por Henrique Araújo*

Marielle Franco - Wikimedia Commons

Os fios que entrelaçam os fatos políticos do ano ainda estão se costurando. É difícil conectá-los, mas os nexos já são visíveis. Um crime, uma eleição, uma prisão e um tsunami de renovação no Congresso. Para citar apenas os mais representativos, aqueles cujas consequências vão se estender por 2019 e adiante.

O que pode haver em comum entre a morte de uma vereadora, a prisão de um ex-presidente, a eleição de um ex-militar e a substituição recorde de parlamentares eleitos? Nada?

É tentador tentar extrair alguma lição de tudo isso, nem que depois se revele equivocada. O assassinato de Marielle Franco (Psol), por exemplo, já pressagiava um certo clima de laissez-faire no qual as diferenças políticas estariam exacerbadas e o enfrentamento ganharia ares de disputa entre facções, com a derrota previsivelmente atingindo em cheio o elo mais fraco. Se 2018 fosse um roteiro, esse seria o evento inaugural, para o bem e para o mal.

Ocorrido em março, o episódio já continha os elementos em torno dos quais a disputa nas urnas seria travada: intolerância, emprego da força desmedida e desejo de aniquilação de um outro associado ao diverso – étnica, política e sexualmente.

Bem entendido: a morte da vereadora não se deveu a diferenças estritamente ideológicas, como se sabe, mas à forma como o Estado foi sequestrado e empurrado para as cordas por um ente paralelo. Marielle foi executada por agentes de um estado paralelo numa unidade federativa sob intervenção militar depois de exaurida por uma casta política que vinha se sucedendo amparada na gatunagem. O cenário de seu assassinato é, portanto, o mesmo da falência política e financeira do Brasil.

Como esse atentado se liga ao pleito deste ano? Ora, o próprio vencedor da eleição foi ele mesmo alvo de uma tentativa de assassinato – não trucidado à queima-roupa por um coletivo sem rosto, como foi Marielle, mas vítima de um ator anônimo que se misturou à multidão à luz do dia para golpear a faca o líder da campanha até então.

Embora diferentes em sua natureza e no tipo de execução, os dois crimes guardam estreita relação sobre o modo como o emprego da violência e o exercício da política andaram muito perto nestes tempos, a ponto de se confundirem – continuarão assim no ano que começa?

Essa talvez tenha sido a grande característica de 2018: os doze meses que se encerram agora produziram um número significativo de acontecimentos que definiram não apenas a temporada, mas seguirão reverberando por muito tempo ainda.

De consequências imprevisíveis, o fuzilamento de uma parlamentar pode significar uma nova etapa na concertação de movimentos e organização da sociedade civil; a prisão de um ex-presidente, por sua vez, ao passo em que o retira de cena, mantém-no como pauta presente exatamente por sua ausência; a renovação no Congresso expôs o abismo entre representantes e representados.

Capítulo inédito na história da República, a chegada ao poder de Jair Bolsonaro (PSL) é o pano de fundo nebuloso contra o qual esses e outros atores constroem um novo arranjo político num País ainda atravessado por muitos impasses.

*Henrique Araújo é jornalista.

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