Juliana Diniz: Feliz futuro que chega, feliz passado que fica

“Há muita beleza no exercício de lembrar e na celebração da graça de que nenhuma renovação total é possível: sua bagagem de memórias é um bem precioso. Por isso, viva com um afeto sua retrospectiva e guarde as melhores vibrações para sonhar com o que o mar trará em 2019”.

Por Juliana Diniz*

2018/2019

Querido leitor,

Você já deve ter se deixado seduzir pela maravilhosa expectativa do recomeço. Ela se aproxima a cada dezembro, rondando nossa percepção do tempo, saltando aos olhos quando as primeiras luzes de natal salpicam nas árvores da cidade. Há algo de irresistível na crença de que as ondas do ano novo trazem vibrações mais felizes para transformar a rota incerta do nosso destino. Talvez seja por isso que os desejos permaneçam quase iguais, prontos para ser outra vez lançados ao mar como oferenda: mais amor para adoçar os dias; saúde para tudo dar certo; paixão a gosto; tranquilidade de vida boa e paz. Paz apenas, branca e sem complementos.

O que eu proponho é um exercício inverso. Um exercício de apego ao que estávamos prontos a deixar com a virada do dia 31. Peço, leitor, que por um instante você se volte ao caminho acidentado do seu ano e recupere as primeiras luzes do janeiro que passou, que pense em todos os sonhos que imaginou para 2018, que refaça cada passo dos projetos que deram certo e dos que falharam miseravelmente. Pense na alegria mais espontânea, na dor que você preferia esquecer, nas fotos que mesmo em muito tempo ainda poderão ser revistas porque retratam um momento sublime demais para ser descartado, as fotos que você vai guardar. Relembre os acontecimentos muito importantes e as miudezas mais inofensivas. A formatura, o nascimento, a morte, o casar, o descasar. O dia em que você se apaixonou na ciclofaixa da orla, a cor azul-céu da bicicleta que comprou por impulso, a casa de esquina com jardim onde você sonhou uma outra vida, com crianças correndo sob uma chuva d´água de mangueira.

Agora imagine que todas essas lembranças fazem parte do que você se transformou. Que esses afetos se acumularam e agora tremulam no fio resistente da sua memória. Suas alegrias e suas tristezas, afinal, foram novas, ainda que seus desejos de ano novo continuem iguais. O acaso pôde demonstrar sua força no encontro e no desencontro: desviou seu caminho, trazendo possibilidades onde antes havia um horizonte turvo, indefinido. Há muita beleza no exercício de lembrar e na celebração da graça de que nenhuma renovação total é possível: sua bagagem de memórias é um bem precioso. Por isso, viva com um afeto sua retrospectiva e guarde as melhores vibrações para sonhar com o que o mar trará em 2019. Quem sabe que caminhos luminosos o esperam e que lembranças sublimes você viverá para guardar?

Feliz futuro que chega, feliz passado que fica.

Com carinho,
Juliana Diniz.

*Juliana Diniz é doutora em Direito, professora do curso de Direito da UFC. Além da atuação acadêmica no campo do Direito constitucional e da filosofia política, também se dedica à ficção. Em 2018, publicou o romance Memória dos Ossos. É articulista do O POVO.

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