Agenda dura de Paulo Guedes faz governo Bolsonaro bater cabeças

As aparentes divergências na verdade são movimentos de arrumação para adequar o governo à agenda ultraliberal, neocolonial, privatista e entreguista do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Posse

Um festival de desencontros. Assim pode ser classificado o desastrado início do governo Bolsonaro. São ditos e desditos para todos os lados. O caso mais recente é do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general da reserva Augusto Heleno, que afirmou nesta segunda-feira que o governo não está pensando em interromper a negociação do acordo de aliança da Embraer com a Boeing. Porém, ele disse que o governo está "estudando" os termos do acordo acertado no final do ano passado entre as empresas.

Segundo Heleno, o governo quer um acordo que seja "o melhor possível para o país". "Não, não está se pensando em interromper essa negociação não", disse Heleno, em entrevista coletiva no Palácio do Planalto após a solenidade de posse de novos presidentes do Banco do Brasil, Caixa e BNDES. Heleno afirmou que não há "rusga nenhuma" na relação entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, e que mais cedo eles se encontraram como "best friends".

Na semana passada, o presidente se envolveu em duas polêmicas em relação à área econômica. A primeira foi declarações de Bolsonaro sobre uma reforma da Previdência que adote a idade mínima de aposentadoria de 62 anos para homens e 57 para mulheres, em tese mais leve do que a em discussão pela equipe econômica. Na sexta-feira, o governo também teve de recuar de um anúncio, feito pelo próprio Bolsonaro, de aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), após o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, e o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, terem dito que a medida não seria implementada.

Um dos auxiliares mais próximos do presidente, Heleno disse que houve uma conversa na manhã desta segunda de integrantes do governo. A avaliação é que, segundo ele, o que ocorreu foi "fruto de uma primeira semana". "Tem muita coisa, o peso em cima das costas do presidente é muito grande e ele acaba ouvindo muita coisa sem ter tempo nem de conferir se o que ele ouviu 5 minutos depois está valendo de novo", disse. "Mas é comum isso, isso não é uma novidade desse governo ter alguns desencontros assim”, garantiu.

Abertura comercial

Bolsonaro aproveitou o evento da posse para elogiar o "conhecimento econômico" de Guedes, mas ressaltou que sabe "um pouco mais" de política do que ele. "O desconhecimento meu ou dos senhores em muitas áreas, e a aceitação disso, é um sinal de humildade. Tenho certeza, sem qualquer demérito, que eu conheço um pouco mais de política que o Paulo Guedes e ele conhece muito, mas muito mais de economia do que eu", disse Bolsonaro.

O bate-cabeças também se manifestou no Itamaraty. Enquanto o ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo faz um discurso com verniz “nacionalista”, os membros do Ministério da Economia anunciam ampla abertura comercial. “O ponto chave daqui para a frente será observar como o governo federal irá equilibrar e ponderar o discurso com viés ideológico e religioso do Ernesto Araújo e do presidente [Jair] Bolsonaro com o pragmatismo dos negócios”, reflete o coordenador do Observatório de Multinacionais da ESPM, Diego Coelho, em declarações ao jornal Diário do Comércio e Indústria (DCI). “Por mais que nós tenhamos alguns discursos ideológicos inflados e preferências religiosas existe o pragmatismo do mundo dos negócios: que é comprar e vender; investir e receber investimentos”, complementa.

Por outro lado, o especialista da ESPM ressalta que já está claro que o perfil da Secretaria de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia é mais pragmático e alinhado à abertura comercial. Quem está comandando a área é o economista e cientista político Marcos Troyjo, que é diretor do BRICLab da Universidade de Columbia, instituto que estuda o bloco dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). “Na secretária de comércio, há preferência explícita pela abertura comercial do País e acordos bilaterais”, diz Coelho.

Empresários do agronegócio

O professor da FAAP, Paulo Dutra, observa que, apesar de Araújo ter reforçado a sua crítica ao “globalismo”, houve uma “amenização” do discurso entre o período pós-eleição para a posse. O professor lembra que, ao final de 2018, Araújo traçou críticas à China, ao dizer, por exemplo, que o país é um obstáculo para o nosso desenvolvimento. Já no último dia 2, o chanceler não fez nenhuma menção à China. Além disso, Dutra destaca que Araújo não se opôs à participação do Brasil no multilateralismo, por exemplo, mas que, a partir de agora, o país se tornará protagonista e mais impositivo nas negociações.

O professor da FAAP avalia ainda que, na “disputa de braço” entre os interesses empresariais e econômicos, e o discurso “nacionalista” do novo chanceler – deverá prevalecer o primeiro. “Se nós entrarmos em um conflito muito grande com a China, por exemplo, os empresários do agronegócio certamente pressionarão o governo. Isso provocaria uma quebra muito grande de empresas”, comenta Dutra.

Fora isso, o professor destaca que, pelo fato de Araújo já passar por um desgaste dentro do próprio Itamaraty – por conta da sua indicação ao invés de um diplomata mais antigo e renomado –, dificilmente ele “compraria uma briga” com o viés de abertura comercial defendido pelo ministro Paulo Guedes.

Já com relação à mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, Dutra comenta que Bolsonaro deve ir “empurrando” essa questão ao longo do governo. A decisão poderia prejudicar a nossa exportação de carne para os países árabes, um dos maiores compradores do produto. Além disso, no mês de abril, ocorrerão as eleições em Israel para o cargo de primeiro-ministro, atualmente ocupado por Benjamin Netanyahu, que, provavelmente, não deve se reeleger.

Da redação, Osvaldo Bertolino, com informações do Diário do Comércio e Indústria.