Elder Vieira: Com tanta confusão política, camarada, o que fazer?

Tenho 35 anos de PCdoB, e minha experiência militante me diz que nada é mais difícil do que fazer entrar na cachola de certos ativistas uma boa tática política. Vai ver que é por isso que gasto tantos bytes em tratar do tema. Bytes, neurônios e saliva. Mais uma vez o assunto é a eleição da mesa da Câmara dos Deputados.

Luis MacedoCâmara dos Deputados

E mais uma vez tem gente que morde a isca oportunista de certo partido hegemonista, cujo interesse é sempre seu próprio fortalecimento, mesmo que isso custe perdas para os trabalhadores brasileiros. Este partido tem agora o auxílio de um outro, que se considera o sol do socialismo em torno do qual todos os demais devem gravitar.

Petistas e líbero-socialistas acusam os comunistas de se aliarem ao PSL de Bolsonaro no apoio a Rodrigo Maia do DEM e de compor, junto com o PDT, bloco com partidos sabidamente situacionistas para disputar a liderança da minoria na Casa.

Certos comunistas compram a estampa e desferem críticas contra a decisão da bancada federal de deputados e da direção nacional do PCdoB. Alguns, para disfarçar suas posições sectárias e moralistas, não apontam seus obuses contra o mérito da questão, apenas reclamam de uma suposta “falta de debate” e de participação da militância na decisão de tão candente tema. Outros, um tanto mais corajosos, vão ao miolo do mingau e apontam o dedo em riste no nariz dos que perpetraram o crime de se aliar a reconhecidos “canalhas políticos” e conspurcar a “santa tradição revolucionária do Partido de João Amazonas”.

PT, PSOL, PSB e Rede lançaram Freixo a presidente da Câmara, sob a bandeira da “oposição decidida e intransigente contra Bolsonaro e os golpistas”. Freixo teve 50 votos. O Partido dos Trabalhadores, sozinho, tem 55 votos… O PSB tem uns 32… O partido de Freixo, 10…

Eita! Não era para Freixo ter ao menos uns 100 votos? O que aconteceu?!

Ao que parece, o PT mais uma vez deixou o aliado na chuva. É de suspeitar que, desta vez, o PSB também.

Dirão os (ingênuos?) defensores das tradições abstratas: “Mas o que importa é a coerência; demarcar claramente com os golpistas”!

Demarcamos e… quem sai na foto? Ora, o PT, lógico! Afinal, não é a maior bancada? E ficam como os demais aliados? À sombra, tutelados e sem poder de fogo, fora do jogo. Porque o objetivo da tática de demarcação petista, não se iludam os… ingênuos?… é manter o domínio de sua agremiação sobre toda margem esquerda do curso da luta política. E o PSOL, objetivamente, serviu, neste episódio da Câmara, como tem servido há algum tempo, de força auxiliar do PT neste intento.

Numa demonstração de abjeta subserviência política e de absoluto casuísmo eleitoral, Ivan Valente, estrela maior do partido solista, encaminha, com o apoio do PT, questão de ordem à mesa onde pede que não sejam considerados, para efeito de composição de bloco, os partidos que ainda não tinham homologadas sua fusão com outros partidos.

Ora, o alvo era o PCdoB, acusado de, com agremiações também em processo de fusão e de tendência situacionista, compor bloco de 107 parlamentares para disputar posições na mesa diretora e a liderança da minoria na Câmara, retirando com isso a primazia do bloco comandado pelo PT.

A questão foi rejeitada. Fosse acatada, o PCdoB não perderia somente a votação, como, fato grave, o direito ao pleno funcionamento parlamentar, ficando de fora de qualquer posição que lhe facultasse agir eficazmente em defesa dos interesses que representa.

Estava o deputado cirandeiro a serviço do petismo, consciente dos danos que causaria ao PCdoB, aliado na resistência aos desmandos do fascista eleito? Questão a refletir. Os caminhos percorridos pelo anticomunismo são, no mínimo, curiosos…

E os comunistas?

Numa situação de absoluta adversidade, em que as forças populares e democráticas saem de uma derrota eleitoral com implicações estratégicas, e de fragilidade de seu Partido, os comunistas lançaram mão de sua sagacidade tática e compuseram um bloco – o segundo maior na disputa pela mesa da Câmara – para conquistar, na lógica da Casa, ambiente e espaço políticos para o exercício de seus mandatos – mandatos conferidos ao PCdoB por milhões de votos de trabalhadores que apostaram numa legenda defensora da soberania nacional, da justiça social e da democracia.

Deviam os comunistas submeter-se aos ditames do PT e marchar para o isolamento político da esquerda dentro da Câmara, comprometendo seu funcionamento parlamentar, e servindo de trampolim aos interesses petistas? Ou, seguindo sua tradição de independência política e de classe, buscar a melhor maneira de honrar os votos que recebeu posicionando bem suas forças?

A segunda via foi a percorrida pelo PCdoB. Em nome de sua independência e de seus compromissos de classe, tendo por guia seu Programa Socialista e as resoluções de seu congresso, e por linha de pensamento e prática, o marxismo-leninismo, sua teoria, o Partido analisou a situação concreta dentro do parlamento – na qual o campo nacional e democrático não reunia condições de vencer qualquer parada contra o bloco patronal conservador formado por mais de 300 deputados. Diante da dura realidade, entabulou conversas com todas as forças, em especial, as de esquerda, e concluiu que, naquela conjuntura, o mais adequado era apoiar Rodrigo Maia, porque este se comprometera com a garantia de um ambiente de respeito às regras do jogo parlamentar, de forma a propiciar aos partidos de oposição espaço para agir e influir em votações. Ademais, estava em questão o lugar do PCdoB na casa. O que o PT impunha era uma tática suicida para os partidos oposicionistas de menores bancadas, mas bastante vantajosa apenas para a bancada petista.

Um russo, cujo nome de pia é Vladimir, mas que o movimento operário apelidou de Lênin – o cara que formulou a teoria do partido de novo tipo, o partido comunista –, esse russo escreveu um livro que recomendo a todos os que se interessam pelo presente e pelo futuro da classe à qual pertencem ou defendem, a classe dos trabalhadores (porque o fundo da questão é este para os comunistas: o interesse da classe trabalhadora): esse sujeito publicou em 1902, aos 32 anos, um opúsculo chamado ‘O que fazer? – Problemas candentes de nosso movimento’. Diz lá o cidadão acerca das alianças: “Só podem recear as alianças temporárias, mesmo com elementos inseguros, aqueles que não têm confiança em si próprios; e nenhum partido político poderia existir sem essas alianças”.

De onde vem essa falta de confiança de certos quadros comunistas na política e na história de seu Partido? Crê este pobre teclador, leninista que procura ser, que ela vem de uma concepção idealista de Partido e de luta de classes – concepção eivada de um moralismo classe-média, pequeno-burguês, que não vê problema em aliar-se ao PT e seus derivados, mesmo que isso leve o movimento popular à derrota e ao desvio tão ao gosto do imperialismo e seus sócios internos, mas vê pecado capital em qualquer aliança pontual com representantes das classes dominantes, mesmo que esta aliança conserve as forças revolucionárias em condições de combate contra estas mesmas classes dominantes.

Sugiro a estes “quadros” que leiam e estudem os livros do Vladimir. Não somente ‘O que fazer’, em que ele trata com propriedade do papel da teoria e da consciência na condução da luta dos trabalhadores por sua emancipação, e da tal “liberdade de crítica” sempre invocada por aqueles que pouco entendem de centralismo-democrático, mas também, como complemento, o ‘Um passo em frente, dois passos atrás’, em que Lênin propõe, a respeito de certos intelectuais (e eu estendo a um conjunto de quadros comunistas, principalmente aos pertencentes às inúmeras categorias de trabalhadores):

“(…) é preciso obrigá-los a encarar suas tarefas com maior largueza de vistas, obrigá-los a renunciar às fórmulas estereotipadas no exame de questões concretas, obrigá-los a ter em conta a conjuntura histórica, que complica e modifica os nossos objetivos”.

E concluo, parafraseando o próprio Vladimir: sem teoria revolucionária, isso é possível não.