Escândalo de corrupção ameaça reeleição de Netanyahu

 Anúncio da Procuradoria de que pretende apresentar denúncia contra premiê por fraude, suborno e quebra de confiança pode mudar rumos de eleição antecipada para abril. Aliança de centro-direita também desafia candidatura.

Bolsonaro e Netanyahu - Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Há dois anos, investigadores examinam alegações de corrupção contra o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Por isso, na semana passada, a maioria dos israelenses não ficou surpresa quando o procurador-geral Avichai Mandelblit anunciou sua intenção de denunciar Netanyahu por acusações de corrupção numa série de escândalos.

Agora é quase certo que o premiê deverá responder por acusações de fraude, recebimento de propina e quebra de confiança. A imprensa já tinha divulgado detalhes do caso, mas, pouco mais de um mês antes de uma eleição antecipada para abril, o momento do anúncio de Mandelblit também se transformou em tema político. A grande questão, agora, é se essas acusações influenciarão a base eleitoral de Netanyahu.

Nos meses que antecederam o anúncio da semana passada, especialistas em direito do escritório do procurador-geral ficaram debruçados sobre os documentos da investigação – resultado de dois anos de pesquisas de fatos e interrogatórios de testemunhas – para averiguar a validade das recomendações da polícia para a realização de um processo.

No mais sério dos casos, o Caso 4000, Netanyahu teria de responder por acusações de fraude, recebimento de propina e quebra de confiança por, alegadamente, ter concedido favores regulatórios à maior empresa de telecomunicações de Israel, a Bezeq, de propriedade do acionista majoritário Shaul Elovitch. O favorecimento teria sido retribuído com uma cobertura positiva de Netanyahu no Walla, o portal de notícias online controlado pela empresa. Na época, Netanyahu atuava como ministro das Comunicações.

Em mais dois casos suspeitos, o premiê enfrentaria acusações de quebra de confiança e fraude por ter recebido presentes luxuosos de empresários, além de um outro caso em que teria solicitado mais cobertura "positiva" de um dos maiores jornais diários de Israel.

Momento inoportuno

A decisão, porém, é provisória: segundo a lei israelense, o acusado tem direito a uma audiência – que poderia levar vários meses para ocorrer.

Exatamente por esse motivo, Netanyahu criticou os trâmites, falando numa tentativa de influenciar a eleição por parte de uma conspiração da "esquerda" para tomar o governo. O premiê conservador afirmou que a Procuradoria-Geral se curvou à pressão da "mídia" e negou todas as acusações.

"De um ponto de vista legal, o procurador-geral não teve escolha a não ser anunciar sua decisão agora – não a alguns dias da eleição, mas semanas antes dela", analisa Guy Lurie, pesquisador do Israel Democracy Institute. Ele destaca o profissionalismo da Procuradoria-Geral: segundo Lurie, Mandelblit foi transparente de forma incomum ao revelar como o seu gabinete chegou às suas decisões – um processo que foi publicado num documento de várias páginas.

Netanyahu decidiu, em dezembro de 2018, antecipar a eleição, originalmente planejada para novembro deste ano. Àquela altura, ele estava confiante de que seu partido, o Likud, e de que uma aliança religioso-nacionalista de direita lhe garantiria mais um mandato como primeiro-ministro.

Ele tinha bons motivos para isso: segundo as pesquisas mais recentes, 42% dos israelenses consideram o momento do anúncio do procurador-geral problemático. Um terço dos entrevistados, por outro lado, quer que Netanyahu renuncie imediatamente.

Nas ruas de Jerusalém, a atmosfera também é de divisão. "Claro, foi importante o procurador-geral tornar sua decisão pública antes da eleição", diz a eleitora Simona Biron. "Por que eu deveria votar em alguém que é corrupto? Espero que a eleição nos traga algo novo."

Outro transeunte que preferiu anonimato disse que Mandelblit deveria ter esperado até depois da eleição, já que há muito pouca confiança no Judiciário – e, por isso, a atitude poderia ser interpretada como uma interferência na política. Mesmo assim, o eleitor disse ter sido influenciado pelo anúncio do procurador-geral, afirmando que apoia Netanyahu, mas provavelmente não mais de maneira tão forte.

Já o guia turístico Moshe considerou o momento da decisão da Procuradoria problemático. Em última instância, porém, ele acha que tudo se resume à insistência de Netanyahu em antecipar o pleito.

"Isso pode fazer com que as pessoas que não tinham certeza se votariam no Likud oscilem, ficando mais inclinadas em direção a Gantz e Lapid", acredita. Benny Gantz, ex-chefe do Estado-maior do Exército que está crescendo nas pesquisas de opinião, anunciou uma coligação com o popular centrista Yair Lapid, e sua nova aliança Kahol Lavan (Azul e Branco) é uma ameaça credível ao primeiro-ministro.

Moshe ainda acredita que Netanyahu, que assumiu o cargo em 2009 após um mandato prévio entre 1996 e 1999, é um bom líder, mas que os problemas crescentes são difíceis de ignorar. "Não acho que seja bom se uma pessoa – e um governo – ficam no poder por muito tempo", explica. "Não é bom para uma democracia."

Antes candidatos independentes, Benny Gantz (e.) e Yair Lapid (d.) se uniram na aliança Azul e Branco: Na foto, eles unem as duas mãos após anúncio conjunto da coligação, em Tel Aviv
Aliança entre Benny Gantz (e.) e Yair Lapid (d.): ameaça palpável a Netanyahu

Queda nas pesquisas

Os primeiros efeitos potencias no resultado da eleição já puderam ser verificados numa pesquisa de opinião divulgada na última sexta-feira (1º). Se o voto fosse realizado hoje, o Likud de Netanyahu perderia sete vagas no Parlamento.

Até hoje, o bloco de direita, uma união do Likud com a ultradireita, nacionalistas religiosos e partidos ortodoxos, nunca teve que se preocupar em atingir uma maioria confortável entre os 120 assentos no Knesset, o Parlamento israelense. Mas, em última instância, o sistema eleitoral israelense funciona com quem tem as melhores chances de formar um governo de coalizão, o que pode se provar difícil para Netanyahu. Com pressão política crescente, é questionável se seus parceiros de coalizão permanecerão leais.

Segundo sondagens recentes, a aliança de centro-direita Azul e Branco, liderada por Gantz e Lapid, tem a intenção de acolher os apoiadores desiludidos de Netanyahu.

"Este é um dia triste para o estado de Israel", afirmou Lapid na última quinta-feira, reagindo à notícia sobre as intenções do procurador-geral.

Gantz exortou Netanyahu a renunciar imediatamente para lidar com seus problemas com a Justiça, dizendo que Israel não podia se dar ao luxo de ter um "primeiro-ministro em meio período".

"Vamos imaginar a nossa realidade quando o primeiro-ministro precisar dividir seu tempo entre os tribunais e lidar com assuntos críticos que o Estado de Israel precisa enfrentar", declarou.

Segundo a legislação de Israel, Netanyahu pode – apesar dos processos contra ele – permanecer no cargo e fazer campanha para a reeleição. O caso é um precedente para a Justiça israelense: é a primeira vez que um premiê em exercício é acusado formalmente.

O ex-primeiro-ministro Ehud Olmert, que foi preso por algum tempo por corrupção, renunciou em 2009, antes da instauração do processo contra ele. A pressão política havia ficado grande demais para que ele continuasse no cargo.