A cizânia semeada pela MP contra os sindicatos

A MP 873, editada na noite da sexta-feira de carnaval, “esclarece” e define as regras referentes às contribuições aos Sindicatos indicadas na Lei 13.467 e em julgamento recente do STF sobre a questão. As novas regras inibem, impedem e constrangem a relação entre trabalhadores e movimento sindical.

Clemente Ganz Lúcio – Mundo Sindical

Sindicatos

A urgência da MP, motivo que justifica sua edição para efeito imediato, é combater o ativismo do movimento sindical e também do Judiciário. Após a aprovação da Lei 13.467, que fez uma reforma sindical às escondidas, o movimento sindical passou a buscar alternativas no âmbito das negociações coletivas para tratar do financiamento sindical. Predominou o entendimento de que as assembleias de todos os trabalhadores (sócios e não sócios) deliberam sobre a negociação (pauta e processo negocial) e definem o aporte financeiro que os trabalhadores deverão fazer para a construção do acordo ou Convenção Coletiva. Incluída nos instrumentos coletivos, a regra de financiamento aprovada em assembleia, garantia ainda o direito de oposição ao não-sócio do Sindicato. A Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho passaram a considerar possibilidades em torno da estratégia da cota negocial. É isso que o governo denomina de ativismo.

Para o governo, o “ativismo” estava em dissintonia às intenções da Lei 13.467 e, portanto, o esclarecimento normativo se fazia necessário: a intenção é evitar, inibir e incentivar qualquer relação dos trabalhadores não-sócios com o Sindicato em assembleia ou evento semelhante e criar cizânia entre sócios e não-sócios. Primeiro, os não-sócios têm direito a todos os benefícios das Convenções Coletivas ou acordos coletivos sem a obrigação de contribuir com o Sindicato e, segundo, cabe somente aos sócios a responsabilidade de financiar o Sindicato. Ou seja, alguns bancam e financiam o direito que todos têm acesso, independente da contribuição, pois os não-sócios contribuirão com os Sindicatos somente se o quiserem. Estes, se fizerem muita questão de contribuir com o Sindicato, terão que manifestar sua opção individual de contribuir – sem nenhuma relação com a categoria e suas formas de atuação e organização – através de uma autorização expressa (quero contribuir mesmo!) e por escrito. Com esse documento individual em mãos, o Sindicato deverá emitir um boleto bancário, não mais será permitido o desconto em folha de pagamento. O recolhimento bancário é individual. Simples e cristalino. O sócio será um altruísta que financiará o direito dos demais e está aberta a porteira da cizânia.

Imaginemos, por exemplo, os princípios desse esclarecimento aplicado à Previdência Social: todos os trabalhadores têm o direito à aposentadoria independentemente de contribuição e, se quiserem contribuir, o farão manifestando seu interesse individual ao governo, que emitirá um boleto bancário para a cobrança. Se não quiser contribuir, o direito à aposentadoria está garantido! O governo deverá fazer “seu trabalho de base” e convencer cada indivíduo a fazer sua espontânea contribuição!

O que fazer?

Primeiro, é necessária a atuação imediata no Congresso Nacional para disputar o andamento da MP 873, incluindo mudanças para uma regulação decente que valorize os Sindicatos, a participação dos trabalhadores e o poder das negociações.

Segundo, é preciso atuar junto aos organismos internacionais e ao Judiciário nacional, denunciando mais essa iniciativa, que contraria preceitos básicos de um sistema democrático de relações do trabalho.

Terceiro, deve-se priorizar a reorganização sindical para um novo sindicalismo orientado e preparado para enfrentar os novos tempos das profundas mudanças no mundo do trabalho.

Quarto, é fundamental a preparação para enfrentar as novas iniciativas que virão pela frente: carteira verde e amarela, fim da unicidade sindical, incentivo ao sindicalismo por empresa, entre outras inciativas.

O período é de resistência e de elaboração de novas estratégias, com unidade inabalável para mudar e avançar.

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Clemente Ganz Lúcio é sociólogo e diretor técnico do Dieese.