Publicado 18/03/2019 20:51
A visita de um chefe de Estado a uma nação amiga tem uma liturgia especial que ressalta o simbolismo e a soberania dos dois países – o visitado e o visitante.
Foram inúmeros os chefes de Estado do Brasil que visitaram seu colega em Washington – e a recíproca é verdadeira: muitos presidentes dos EUA vieram a Brasília.
Desde domingo (17) Jair Bolsonaro encontra-se nos EUA em viagem oficial – terá, nesta terça-feira (19) um encontro com seu colega estadunidense Donald Trump, na Casa Branca.
Jair Bolsonaro – cuja atitude na presidência da República, e a de seu clã, foi classificada pelo ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso como o "renascimento de uma família imperial de origem plebeia" – não representa bem o Brasil e nem a seu povo, de quem recebeu a missão de governar o país mas cujo comportamento passa ao largo daquela liturgia que se espera de um chefe de Estado cioso da soberania de seu país. Bolsonaro está nos EUA para demonstrar mais uma vez a atitude submissa de seu governo – vai, entre outra coisas, entregar a base de lançamentos de foguetes de Alcântara e chancelar o alinhamento da diplomacia brasileira aos interesses do imperialismo, como já deixou claro nos repetidos ataques contra Venezuela, Cuba, Nicarágua e China. E na disposição reiterada por ele de mudar para Jerusalém a embaixada brasileira em Israel, afrontando não apenas palestinos e árabes, mas leis e acordos internacionais adotados pelo Brasil.
O primeiro chefe de Estado brasileiro a visitar os EUA foi o imperador D. Pedro II, que lá chegou em 15 de abril de 1876, para uma longa permanência de quase três meses, até 12 de julho daquele ano. Demora que se justificava numa época de transportes lentos – ele embarcou no Rio de Janeiro algumas semanas antes, em 26 de março de 1876. Desembarcou em Nova York e percorreu, de trem – como um simples cidadão "Pedro de Alcântara", como preferia ser chamado – cerca de 15 mil quilômetros, indo a Washington, São Francisco, New Orleans – e, claro, Filadélfia, onde foi convidado de honra na Exposição Universal que comemorou o centenário da independência dos EUA.
D. Pedro II pode ser criticado por várias razões. Foi um autocrata treinado para o ofício do mando e o exercia sempre que seu governo era desafiado, protegido pela Constituição de 1824 imposta ao país por seu pai, D. Pedro I, e que incluía o chamado "poder moderador", uma espécie de AI-5 que dava poderes absolutos ao monarca. Mas de uma crítica D. Pedro II escapa – ele tinha consciência da "liturgia" de seu cargo, e a exercia de maneira rigorosa.
Na viagem aos EUA – que teve caráter pessoal e não oficial – ele tergiversou para não ter um encontro oficial com o presidente Ulysses S. Grant (mandatário entre 1869 a 1877). Alegou que não estava ali como imperador, mas sim como cidadão comum e, portanto, não cabia aquela distinção. Para que se encontrassem, os organizadores da Exposição da Filadélfia colocaram os dois chefes de Estado em camarotes contíguos naquele evento, separados apenas por uma cortina – artifício que permitiu o encontro e o aperto de mãos entre os dois dirigentes.
Foi notável também o imenso carinho e afeto das autoridades e do povo dos EUA ao "rei-cidadão". Eram frequentes – e a imprensa da época noticiou de forma abundante – as aglomerações de populares nas várias estações ferroviárias por onde passou o trem que conduzia o monarca.
Esta é outra diferença notável em relação ao visitante de hoje, recebido com manifestações de repulsa em lugares por onde passou – rejeição que não é contra o Brasil, ao contrário. Ela reflete a resistência, forte mesmo no exterior, contra os ataques à democracia no Brasil. Democracia ameaçada pelo governo de extrema direita de Jair Bolsonaro e sua subserviência às atitudes imperialistas dos EUA e de seu presidente, que é o grande herói de Bolsonaro – Donald Trump.