Manuela afirma que mulheres ainda reproduzem comportamento machista 

Ao ser entrevistada pelo jornal Diário do Pará, a ex-deputada Manuela d’Ávila(PCdoB) fala sobre a relação entre mães, pais e filhos, a necessidade das mulheres ocuparem mais espaços e sobre o quanto à elas ainda são impostos padrões de comportamento machista que acabam reproduzindo. Manuela discorre sobre seu aprendizado com a filha que resultou no livro “Revolução Laura: reflexões sobre maternidade e resistência”, que ele tem lançado em varias cidades do país.

Por Laís Azevedo, do Diário do Pará

Manuela e Laura - Foto: Facebook Manuela Davila

Conciliar carreira e maternidade não é tarefa fácil para nenhuma mulher, mas, no centro de uma das mais complexas campanhas presidenciais que o país já viveu, Manuela d’Ávila mostrou que, na verdade, é muito estranho que os filhos não estejam presentes em todos os aspectos da vida dos pais, inclusive na rotina de trabalho. Passada então as eleições de 2018, em que foi candidata à vice-presidência, ela lançou o livro “Revolução Laura: reflexões sobre maternidade e resistência”, em que reúne bilhetes, crônicas e anotações simples do período em que percorreu 19 estados amamentando sua filha, Laura, durante a campanha. A obra, lançada pela editora Belas Artes, reúne em 192 páginas as histórias que passou ao lado da sua filha nas agendas de campanha pelo Brasil

Nesta entrevista, Manuela conta que antes de Laura nascer imaginava que tudo seria muito diferente – muito mais tranquilo, certamente. Ela já havia terminado o mandato como deputada federal em Brasília e retornado ao seu estado, o Rio Grande do Sul, para o novo mandato como deputada estadual, quando Laura nasceu. “O primeiro desafio foi o momento em que a licença-maternidade terminou e eu ainda estava amamentando. Então, tive que encontrar uma forma de voltar a trabalhar e continuar a amamentar”, lembra.

Frequentando a creche desde um ano e pouco de idade, fora desse ambiente Laura ainda é cuidada apenas por ela e o marido, o músico Duca Leindecker, mesmo após Manuela receber o convite para tornar-se uma presidenciável. “Tive que aprender a lidar, levando Laura comigo nas viagens mais longas. O caminho me ensinou a conciliar as duas coisas”, conta.

Entre os relatos presentes no livro, por exemplo, está o momento em que quase cancelou uma viagem na última hora porque Laura estava com febre, e Manuela foi provocada pelo marido: “Mas eu estou aqui, por que tu não vais?”.

“Sem perceber, Duca me fez despertar. Me fez perceber que, mesmo uma mulher como eu, conhecedora de muito da teoria sobre equidade, lutadora para fazer todos os direitos das mulheres valerem, ainda pode ser surpreendentemente machista consigo mesma, reproduzindo padrões de comportamento que são históricos, culturais, socialmente impostos. Me fez perceber como e quão forte introjetamos a opressão que sofremos”, relata.

A ideia de compartilhar essas histórias e pensamentos com outras pessoas em um livro veio de uma amiga de Manuela. “Ela me perguntou se houve outro caso de uma mulher com bebê amamentando que tenha participado de uma campanha presidencial. E não. Quando leu o livro, ela me disse: ‘Pensei nisso como um relato íntimo de uma mãe; mas vejo que é um relato de como as mulheres não ocupam os espaços públicos, são inviabilizadas, porque a maioria das mulheres são mães’”, conta.
 

Para a autora, quando essa cultura, enfim, mudar, as pessoas acharão estranho pais que nunca estão com seus filhos. “Alguém está e esse alguém é a mãe. Isso tem relação com o fato de as mulheres não ocuparem espaço público. É fácil, fácil pra um homem. Quando desfila com o filho, vira mito”, aponta a escritora.
Para Manuela D’Ávila, a principal revolução que Laura acabou trazendo para sua vida foi fazê-la perceber definitivamente que o mundo não é igual para homens e mulheres. “Para alguém com um mandato durante 14 anos, foi muito forte perceber isso. Percebi que as mulheres até podem ocupar espaço na política, no ambiente público, desde que reproduzam o comportamento dos homens”, afirma.

Claro, quando começou a ter Laura incluída em sua rotina de campanha, não previu que a presença da pequena levaria a esse debate. Conta que aprendeu como manter essa relação entre maternidade e carreira dentro de um processo intuitivo, que acabou também afetando as pessoas ao seu redor.

A presença de Laura, inclusive, envolveu questões como a segurança da menina. “Quando a violência cresceu – essa foi a campanha mais violenta do Brasil – estar comigo, cercada de seguranças, era o lugar mais seguro. E, no início, as pessoas não tinham disposição para se adaptar a presença dela, havia sempre um olhar de reprovação. Depois, elas já esperavam pela Laura, conversavam, traziam brinquedos, traziam os filhos para brincar com ela. Talvez essa tenha sido a minha maior vitória”, afirma Manuela.

Com a nova rotina como escritora, conta que Laura segue viajando com ela para algumas cidades. Manuela já lançou a primeira edição em diversas capitais brasileiras, edição esta que esgotou em 15 dias. “Isso é o mais bonito de tudo. Vivi dois momentos anacrônicos. Primeiro o das fake news e agora, o encontro com essa rede de mulheres que compartilham comigo esperanças e amor”, celebra a autora.

Ela lamenta apenas que os encontros tenham um público majoritariamente feminino. “O que diz muito da indisposição masculina para falar do assunto”, aponta.