Comunista de Portugal fala sobre Museu da Resistência e Liberdade

Antiga prisão será transformada em centro de memória.  

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Matéria do jornal O Globo diz que Portugal inaugura memorial da ditadura 45 anos depois da Revolução dos Cravos, contra da ditadura de António de Oliveira Salazar. Antiga prisão, forte se transformará no Museu da Resistência e Liberdade, primeiro espaço nacional dedicado à preservação da memória antifascista. 

Na Fortaleza de Peniche, construída no século XVIII e usada como prisão pela ditadura, as celas eram voltadas para o pátio interno: mais de 2.500 presos políticos passaram pelo forte que agora se transforma em museu, diz o texto. Um concurso de arquitetura foi convocado para a adaptação do espaço. Estarão na entrada do forte os nomes de 2.510 presos políticos gravados em um memorial.

Cercados pela água

Dos 2.510 presos homenageados, a Direção Geral do Patrimônio Cultural de Portugal (DGPC) informou que 40 estão vivos e ajudaram na reconstrução da memória dos anos de chumbo. Domingos Abrantes é um deles. Por oito anos, o ex-operário e militante do Partido Comunista Português (PCP) desde 1954 ficou detido na fortaleza. Passou encarcerado 16 dias e 16 noites no Fortim Redondo, uma estrutura com três celas solitárias na ponta do rochedo, onde só é possível escutar o barulho das ondas. Era privado do sono e obrigado a ficar em pé horas a fio. Sofria espancamentos sistemáticos.

"Estávamos cercados pela água, mas o mar não fazia parte da vida de cada um de nós. A cadeia foi construída de costas para o oceano e pensada para ter todas as celas voltadas para dentro, para o pátio. Eu estive lá quase nove anos e só vi o mar quando precisei ir ao médico — lembrou Abrantes, que foi deputado de 1976 a 1995 e hoje é conselheiro de Estado. Em sua cela, privado de papel, caneta, relógio e luz, porque a janela era pintada, Abrantes diz que só percebia o tempo passar pelos sons dos pássaros de manhã e o silêncio à noite. Tudo intercalado pelo barulho do mar e os apitos dos guardas.

Às vezes, os oficiais da Polícia Internacional e de Defesa do Estado, a temida Pide, ligavam um gravador com gritos de pessoas sendo torturadas. "Eu me sentia mais perto da morte do que da vida. Eram meses sem perceber nada do mundo exterior, sem luz, sem dormir e sem contato sequer com outros presos. Precisei mobilizar uma energia enorme para manter o meu equilíbrio físico e psíquico", contou Abrantes ao O Globo.

Fugas de Peniche

O comunista havia sido preso pela primeira vez em 1959, em Aljube. Depois, ficou de 1959 a 1961 em Caxias, de onde fugiu num carro blindado com outros companheiros. Ao todo, foi preso político por 11 anos, cinco sem poder ver a mulher, Conceição Matos, com quem se casou na Fortaleza de Peniche, em 1969: "Os fascistas não consideravam casados aqueles sem registro civil. Foram cinco anos de espera até conseguirmos fazer o casamento no civil, dentro da cadeia. Mas não houve sequer contato físico. Assinamos o papel, separados pelo vidro do parlatório. Eu voltei para a cela e ela foi embora. Mas foi emocionante ver o rosto da mulher amada após tanto tempo", disse ele,.

O parlatório é um conjunto de cabines com um banco de ferro preso ao chão de cada lado e parte interna separada da externa por uma espessa vidraça. Será um dos módulos expostos aos visitantes na primeira fase de abertura do museu. Ali, serão apresentados testemunhos em vídeo dos parentes que visitavam os presos. Também serão abertas a capela, com a cronologia da fortaleza, e inaugurada a exposição multimídia “Por teu livre pensamento”, com documentos, fotos e objetos que representam a memória do lugar.

No Fortim Redondo serão projetados filmes sobre as fugas de Peniche, com destaque para as de Dias Lourenço e de Álvaro Cunhal. O segundo, um histórico secretário-geral do PCP, saiu pela porta da frente e teve a conivência de um policial. Já o primeiro, também dirigente do PCP, conseguiu escapar pelo mar, em pleno inverno, nadando até a costa. Ambos já morreram. "Por isso eu digo que as pedras do forte falam. São testemunhas das dores e histórias das pessoas que por lá passaram. E agora, em pleno crescimento da extrema direita na Europa, estas mesmas pedras serão os alertas do perigo do fascismo para as novas gerações", disse Abrantes, que voltará ao forte para um evento com parentes dos presos políticos em 27 de abril, dia em que foram libertados em 1974.

Trabalho d ememória

A historiadora Irene Flunser Pimentel explica como era a dinâmica implementada pela ditadura na cadeia de Peniche e celebra a importância da manutenção da memória do período. "A lógica da cadeia era a da neutralização. Em vez de mandarem os presos para a Colônia Penal do Tarrafal, em Cabo Verde, os deixavam ali completamente isolados, virados para dentro. Durante um tempo, nem podiam falar uns com os outros no almoço. Mas, finalmente, Portugal tem um local nacional de memória da ditadura, algo por que lutamos e durante muito tempo não tivemos", disse Irene ao O Globo.

O governo gastou € 3 milhões na primeira fase de construção do museu, dinheiro de fundos europeus de investimento. Ainda não há data para a abertura da segunda fase, quando será possível visitar os três pavilhões onde ficavam as celas dos presos. "A própria cadeia é o museu. E o trabalho de memória é contínuo. Encontramos 2.510 nomes de presos, mas podemos encontrar mais, porque as pesquisas não param. Fizemos um apelo na internet para a doação de objetos. Tudo será continuamente aperfeiçoado para os mais jovens perceberem o que foi aquele período e o que é a falta de liberdade", explicou Paula Silva, presidente do Patrimônio Cultural de Portugal ao jornal.