Reitor da USP diz que Bolsonaro não entendeu manifestações

Para ele, reduzir recursos em educação é uma "decisão política".

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E, entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o reitor da USP, Vahan Agopyan, afirma que o presidente Jair Bolsonaro "não entendeu bem" as manifestações contra os cortes na educação que ocorreram em mais de 170 cidades do país na quarta-feira (15). À frente da universidade com a maior produção científica do país, Agopyan diz que reduzir recursos em educação é uma "decisão política" que países mais desenvolvidos que o Brasil não tomaram.

Segundo ele, embora as instituições estaduais paulistas não sejam tão afetadas pelo bloqueio de recursos, já há efeito sobre a pós-graduação — 300 bolsas da USP foram perdidas durante o bloqueio do sistema da Capes (agência de fomento ligada ao Ministério da Educação). Elas pertenciam a alunos que defenderam seus trabalhos e seriam destinadas a outros. Engenheiro, Agopyan lidera a USP após medidas para reduzir o aperto financeiro, como plano de demissão voluntária.

À Folha ele comenta ainda a CPI das universidades recém-aberta na Assembleia Legislativa e declarações de Bolsonaro de que não devem ser priorizados recursos para a área de humanas.

– O que achou de o presidente chamar os manifestantes de idiotas úteis e imbecis?

– Eu diria que de novo o presidente, acho que ele não estava no país [estava nos EUA], não entendeu bem. Mas o importante é notar que uma parte da sociedade está preocupada com a educação e começou a se manifestar. Fico muito preocupado quando há uma incompreensão da importância da educação para o desenvolvimento. Todos os países desenvolvidos investiram bastante em educação, da pré-escola ao pós-doutorado.

– Como vê o argumento do governo federal de que é preciso cortar na educação porque a economia não vai crescer o esperado?

– É uma questão de decisão política. Vou citar um contraexemplo. A Coreia do Sul teve quase três anos de guerra [1950-1953]. Fui lá recentemente e tem uma foto marcante no museu da guerra. Ela mostra um lugar destruído, paredes caídas, e um monte de crianças sentadas em carteiras improvisadas assistindo a aulas. Israel teve a Guerra da Independência [em 1948]. David Ben-Gurion [chefe de governo] duplicou o instituto de tecnologia e construiu um novo campus para a Universidade Hebraica de Jerusalém. É uma decisão política. Então minha resposta é: o governo decide o que acha importante.

– O governo está tomando a decisão política de não investir em educação?

– Você faz os cortes onde acha que é seu interesse. Estou dando exemplo de países que não cortaram em educação e hoje têm renda per capita muito melhor que a nossa. Por que São Paulo tem essa pujança em relação a outros estados? Tivemos governantes e uma elite paulista que acreditavam na educação. Na segunda metade do século 19, a província de São Paulo abriu escolas laicas. No fim do seculo 19, escolas profissionalizantes e faculdades. Em 1934, fundaram a USP. Trouxeram professores do exterior com dinheiro do estado. São Paulo era uma província muito pobre e, pouco a pouco, se firmou investindo recursos estaduais em educação.

– O senhor é engenheiro. Acha que o Estado deve financiar as humanas?

– No século 21, a multidisciplinaridade é uma realidade. Não é possível um projeto bom de engenharia sem discutir os aspectos econômicos com economistas, sociais com sociólogos, os aspectos culturais, éticos etc. Os grandes grupos de pesquisa da USP são multidisciplinares, e a maioria tem colegas com formação da área de humanas. As pessoas interagem de uma forma muito forte e isso há 50 anos é uma realidade. É impossível prescindir de uma área de conhecimento para reforçar outra.

– Por que uma parcela expressiva da sociedade compartilha a visão de que a universidade doutrina?

– São pessoas que talvez não conheçam como funciona a universidade. O pessoal acha que os colegas da área de humanas são todos mais esquerdistas. Não existe isso. Temos pessoas de todas as áreas com ideias diferentes que na universidade convivem, debatem e muitas vezes mudam seu ponto de vista. Falar em doutrinação é, primeiro, imaginar que nossos alunos não têm discernimento, o que não é verdade. E, em segundo, que os professores são de uma única corrente de pensamento, o que também não é verdade. O aluno vai conviver com professores que pensam de maneiras distintas e até antagônicas.

– O sr. foi estudante durante a ditadura [1970-1974], depois professor e agora reitor. Em qual momento a universidade correu mais riscos?

– Sem dúvida durante a ditadura. Em regimes autoritários, o problema não é tirano que está em cima, é o guarda da esquina. Uma vez falei para os nossos alunos. Eles imaginam que havia policiais na porta dos prédios. Não. Quem nos dedurava e criava histórias eram nossos colegas. Tive vários colegas que, sem motivo, nem pertenciam ao movimento estudantil, por alguma inimizade acabaram presos, alguns torturados. É um período extremamente triste, mas felizmente superamos porque vários brasileiros e brasileiras lutaram pela democracia.

– Como se sente quando vê o presidente e alguns de seus seguidores louvarem esse período?

– Naquela época, muitos que estão falando essas coisas eram muito jovens ou nem tinham nascido [Bolsonaro tinha 9 anos quando aconteceu o golpe de 1964 e 30 quando o último general da ditadura deixou o poder]. Eu vivi esse regime. As pessoas que não vivenciaram não têm noção do que é viver num regime de exceção.