Como Bolsonaro mudou o discurso e aderiu ao “toma-lá-dá-cá”

Eleito presidente do Brasil impulsionado pela onda antissistema e com a promessa de acabar com o chamado “toma-lá-dá-cá”, Jair Bolsonaro (PSL) traiu a promessa e o discurso. Seus primeiros seis meses de gestão mostram que o fisiologismo corres solto na base bolsonarista. É o caso explícito de uma oferta concretizada na semana passada: o pagamento imediato de R$ 10 milhões em emendas extras para cada deputado federal, em troca de apoio à reforma da Previdência.

Bolsonaro

A esta altura, não restam mais dúvidas: se o presidente da República obtém alguma sustentação no Congresso, não é, necessariamente, com base em suas propostas para o País – mas pela negociação de emendas parlamentares e de cargos federais.

Cada um dos 594 deputados e senadores teve a oportunidade de apresentar R$ 15,4 milhões em emendas ao Orçamento federal de 2019, geralmente direcionando verbas para obras e investimentos em suas regiões. A execução dessas verbas pelo governo é obrigatória, na teoria. Mas o Planalto e os ministérios têm poder decisivo sobre o ritmo de liberação – que, em alguns casos, nem mesmo sai dos cofres federais.

É daí que surge um dos itens do balcão de negócios. O governo abre o cofre em busca do apoio que necessita. A diferença, agora, é que Bolsonaro incrementou essa cartada. Sob a chefia do ministro da Casa Civil, OnyxLorenzoni, o governo passou a oferecer valor extra, além dos R$ 15,4 milhões, em busca de apoio à reforma da Previdência, que está para ser votada na comissão especial da Câmara.

Inicialmente, a oferta foi de R$ 10 milhões extras por ano, em negociação feita por Onyx em abril. A maioria dos partidos, porém, considerou que o Planalto não cumpriria a palavra nos anos seguintes. Com isso, a gestão Bolsonaro dobrou a proposta, oferecendo um extra de R$ 10 milhões por semestre, não mais por ano. Ainda assim, a desconfiança continuou.

Diante do impasse, o Planalto chegou à oferta da semana passada, de direcionar R$ 10 milhões imediatamente e mais R$ 10 milhões no momento da votação no plenário. Levando em consideração apenas os 308 votos necessários para aprovação da reforma na Câmara, seriam mais R$ 3 bilhões do Orçamento.

“Esse extra ele não pagou ainda, mas vai pagar. Ele continuou o toma lá da cá do mesmo jeito. Porque se ele pagar as emendas [extras] ele está tentando comprar prestígio, ou aprovar alguma coisa através de dinheiro público”, diz o deputado Mauro Lopes (MDB-MG), um dos poucos a falar abertamente.

Já em relação aos cargos federais de livre nomeação, preenchidos sem necessidade de concurso público, Bolsonaro atendeu a segmentos corporativos. Não negociou os ministérios com as cúpulas partidárias. Em vez disso, reservou parte da Esplanada aos militares e escolheu algumas pastas com base em indicações de frentes parlamentares. A ruralista emplacou a deputada Tereza Cristina (DEM) na Agricultura, assim como a frente evangélica indicou Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).

O modelo, porém, não deu certo, e a maioria dos ministérios se revelou uma fracasso administrativo. Bolsonaro recuou. No final de abril, o governo já passou a oferecer cargos federais nos estados, o que é considerado por congressistas como de pouco valor.

“Vejo deputado brigando por cargos nos estados que, sabe, não têm relevância nenhuma. Funasa [faz uma cara de espanto]. Vai executar alguma coisa se a presidência da Funasa ou governo aqui não libera? Não tem autonomia pra nada. Ah, o fulano no estado indicou o superintendente do Inmetro [Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia]. Vale o quê, politicamente?”, diz o deputado João Campos (PRB-GO), expoente das frentes evangélica e de segurança pública.

Outro recuo de Bolsonaro nesse sentido foi a criação do apelidado “banco de talentos”, planilha em que os parlamentares listariam os apadrinhados que gostariam de indicar para cargos públicos. Ironizada pelo próprio líder do PSL no Senado, Major Olímpio (PSL-SP) – “Tucanaram o apadrinhamento” –, a medida ainda não saiu do papel.

Numa atitude ainda mais direta para voltar ao modelo que havia prometido sepultar, Bolsonaro aceitou em maio recriar os ministérios das Cidades e da Integração Nacional, que seriam loteados por indicados do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Por desconfiança mútua, porém, a negociação azedou e foi descartada.

Outras deram certo. Na Educação, o ministro Abraham Weintraub nomeou Antonio Campos para a presidência da Fundação Joaquim Nabuco, por indicação do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE). Campos é irmão do ex-governador Eduardo Campos (morto em 2014) e filho da ministra do Tribunal de Contas da União Ana Arraes.

Em um ponto há certo consenso em ambos os lados: a relação de Bolsonaro com o Congresso continua precária, por uma confluência de fatores: falta de confiança nas promessas palacianas, bagunça administrativa, interlocução parlamentar defeituosa e a manutenção de um discurso público de criminalização da política que, nos bastidores, o governo continuou praticando nestes seis primeiros meses. A bandeira de “nova política”, de todo modo, virou pó.

Da Redação, com informações da Folha de S.Paulo