Povos Indígenas têm suas narrativas ecocríticas acentuadas em encontro

A Roda de Conversa “A era da informação e a silenciosa narrativa ecocrítica das sociedades tradicionais da Amazônia” que aconteceu no II Fórum Internacional sobre a Amazônia, na Universidade de Brasília (UnB), em Brasília, reuniu dez pesquisadores e estudantes que expressaram sua visão atual sobre as diversas e muitas vezes invisíveis narrativas ecocríticas das populações locais e tradicionais da Amazônia.

*Por George Rebelo e Juliana Belota

Indígenas - Bruno Kally/Amazônia Real

O termo “ecocrítica” originalmente foi utilizado para definir o estudo da relação homem-natureza na literatura, mas no evento foi empregado num contexto mais amplo para incluir a diversidade das expressões artísticas e imagéticas, narrativas orais, o uso de diagramas cognitivos e até de aplicativos por pessoas comuns, moradores das periferias urbanas, localidades ribeirinhas e aldeias indígenas. Esse debate, de grande importância devido ao avanço das mudanças climáticas, se torna ainda mais urgente com o desenvolvimento das anti-políticas ambientais do governo atual no Brasil.

Os indígenas do alto Solimões manejam lagos e aumentam o controle sobre suas terras (com o manejo “Eware Tchoni”), há quase dez anos nas Terras Indígenas Eware I e Eware II e, também, no seu entorno, mas como suas ações são invisibilizadas e ignoradas por outros atores sociais, sofrem constantes ameaças vindas de setores da sociedade amazônica com interesses comerciais em seus recursos naturais e em suas terras, como fazendeiros, madeireiros, narcotraficantes e contrabandistas. Aldeias e Comunidades ticuna, cocama, kambeba e kaixana chegaram a abandonar o manejo “Eware Tchoni” pela dificuldade em promover e apoiar os vigilantes dos lagos, já que vários deles temem por suas vidas. Além disso, projetos de saneamento, de comercialização de produtos agrícolas e ações de saúde são aspirações das comunidades que clamam por melhor qualidade de vida, mas atingem pouca repercussão. São grandes as dificuldades para vigiar os lagos manejados pelas comunidades, e para articular os esforços destes povos e suas organizações, como a Federação das Organizações dos Caciques e Comunidades Indígenas Ticuna (FOCCIT) e a Associação dos Caciques Indígenas de São Paulo de Olivença, entre outras.

A experiência do projeto Arte e Comunidade da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) abriu o diálogo sobre a potencialidade de expressão presente em diferentes periferias de Manaus. A conversa possibilitou identificar parte das metodologias propostas na formação de multiplicadores teatrais e culturais no contexto do projeto, a importância de compreender a integração do ser humano com a natureza, bem como a discussão de estratégias que viabilizam superar as estruturas de fragmentação impostas pelo cotidiano social da atualidade.

Houve destaque para a relevância de se propor uma articulação orgânica entre: a) ensino, pesquisa e extensão; b) diferentes linguagens artísticas e áreas de conhecimento; c) docentes, discentes e comunidades e d) saberes populares e acadêmicos. Com seis anos de história o trabalho do Arte Comunidade tem investido na valorização da cultura popular local e do saber da experiência de modo a potencializar as relações presentes nas dimensões de arte e vida. O fortalecimento da rede de diálogo tem buscado maneiras de provocar a formação de coletivos autônomos, afetuosos e solidários.

A roda contou com a mostra etnográfica do projeto “Ameríndios do Brasil”, que conta histórias através da fotografia sobre mais de 80 etnias, buscando apresentar a alegria nos olhares indígenas, ou o que cada pessoa tem de melhor em sua relação com a natureza. Todo o material se destina a comercialização, mas parte do que é arrecadado volta para a comunidade, gerando uma renda que muitas vezes os indígenas não tinham.

O projeto não tem financiamento externo e o fotógrafo e documentarista, Renato Soares, aposta na diversidade dos povos, o que resultou em livros, publicações e workshops, que apresentam os indígenas como grandes ambientalistas por não terem o hábito de acumular riqueza. A narrativa explica que as mudanças vividas pelos povos não faz dos índios menos índios, mostrando-os com a mesma dignidade que gostariam de ser mostrados.

“O Brasil tem o índio do lado dele, ele vê, vive com índio e o desconhece. Não aceita este personagem, porque é como se nós não aceitássemos a nós mesmos, e enquanto nós não nos entendermos com a nossa identidade brasileira, nós não vamos conquistar nada”, afirma Renato Soares.

Com o aplicativo para Android e IOS “Fruit Map” pessoas comuns cadastram e mapeiam árvores frutíferas públicas e hortas comunitárias no mundo todo, se juntando a uma imensa legião de usuários do aplicativo acessado com smartphones, em todos os continentes. O trabalho ecocrítico é fruto da preocupação de estudantes da UnB em produzir tecnologias acessíveis a todos para mediar suas relações com a natureza, além de incentivar uma alimentação diversificada, gratuita e livre de agrotóxicos. O uso do aplicativo permitiu, desde o final de 2015 até agora, o registro colaborativo de dados sobre época e período de frutificação de mais de 50.000 árvores de mais de cem espécies, com base em dados em tempo real continuamente atualizados. Com o objetivo de atualizar o aplicativo, os desenvolvedores irão realizar um financiamento coletivo, e assim tornar o “Fruit Map” um ambiente interativo, onde as pessoas possam se comunicar e desenvolver a economia solidária a nível local, realizando trocas ou vendendo frutas de árvores privadas a preços abaixo do valor de mercado. Concomitante a isso, o aplicativo também pretende realizar plantios de árvores nativas frutíferas em diversos estados do país, recuperando áreas degradadas e arborizando áreas urbanas, na intenção de divulgar o aplicativo e disseminar a narrativa ecocrítica nas comunidades.

As conversas abriram caminhos para difundir as narrativas ecocríticas dos povos indígenas e populações tradicionais da Amazônia, onde as distâncias para acessar lugares remotos e pequenas comunidades favorecem a invisibilidade.