Políticos, Judiciário e até Polícia Federal criticam manobra de Moro  

Em mais uma ilegalidade – agora à frente do Ministério de Justiça e Segurança Pública –, o ex-juiz Sergio Moro decidiu descartar, por conta própria, material obtido pela Polícia Federal (PF) junto a hackers. Essa decisão, no entanto, não cabe ao titular da Justiça, mas, sim, ao juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal Criminal de Brasília.

Sergio Moro

Vallisney decretou as prisões temporárias dos quatro jovens suspeitos de invadir telefones de cerca de mil pessoas via aplicativo de mensagens Telegram, conforme aponta a investigação. Ele ainda vai decidir se as mensagens ilegalmente capturadas por hackers serão ou não serão destruídas.

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que o Judiciário decidirá o destino do material apreendido – "e não este ou aquele órgão administrativo", referindo-se a Moro. Para o ministro, decidir de outro modo "é justiça pelas próprias mãos, inadmissível em um Estado Democrático de Direito".

Segundo o UOL, um membro do STF (Supremo Tribunal Federal), sob condição de anonimato, também criticou o fato de Moro telefonar para pessoas listadas como alvo dos hackers e afirmar que destruirá as mensagens. "Isso que ele está fazendo, além de desmoralizar a Polícia Federal e o Judiciário, ainda pode prejudicar a condução do processo, pois estas atitudes podem ser questionadas no Supremo", disse.

O magistrado diz que Moro confunde suas funções com as de um "delegado da Polícia Federal, que conduz a investigação, e do juiz, que deveria tomar este tipo de decisão". O ministro do STF ainda afirmou que uma investigação que envolve autoridades com foro privilegiado deveria ser tratada no STJ (Superior Tribunal de Justiça), ou no STF e que Moro deveria se retirar do caso, por também ser parte envolvida.

A assessoria do STJ divulgou que Moro telefonou para o presidente da Corte, ministro João Otávio Noronha, e "informou durante a ligação que o material obtido vai ser descartado para não devassar a intimidade de ninguém". Moro também avisou o presidente do STF, Dias Toffoli, que hackers tiveram acesso a mensagens de celulares de ministros do Supremo. Nesta sexta-feira (26),

Para o ministro aposentado do STJ Gilson Dipp, a afirmação de Moro "é um autoritarismo em nome da proteção de autoridades. O Ministério da Justiça está atuando como investigador, como acusador e como próprio juiz ao mandar destruir provas – se é que isso é verdade. Eu não estou acreditando ainda".

Moro afirmou, no Twitter, que "as centenas de vítimas do hackeamento ilegal têm o direito de saber que foram vítimas e só estão sendo comunicadas. Não tenho lista, só estou comunicando alguns". Mas sua atitude causou muita irritação na Polícia Federal. Assim que a notícia veio à tona, grupos de delegados e agentes da corporação entraram em polvorosa criticando a manifestação. Para os policiais, Moro se comportava como juiz da causa e feria a autonomia da PF.

“O ministro deveria, como vítima, aguardar o fim da investigação e a publicidade de todos dados pelo Judiciário para depois se manifestar. Com sua fala, Moro fere a autonomia da PF, que é quem conduz a investigação”, disse Edvanir Paiva, presidente da ADPF (Associação de Delegados da Polícia Federal). “Em episódios anteriores já tivemos crises graves por causa disso. Lembra-se do caso Segovia? Não queremos outra crise por uma autoridade se manifestar sobre as investigações que são da polícia.”

O caso abordado por Paiva foi o do ex-diretor geral da PF Fernando Segovia, demitido em fevereiro de 2018 depois de três meses no cargo. O estopim foi a declaração do diretor-geral de que a tendência era arquivar o inquérito dos Portos que investigava o presidente da época, Michel Temer. O emedebista acabou denunciado por corrupção e lavagem.

Em nota, também nesta quinta-feira, a PF informou que suas investigações “não têm como objeto a análise das mensagens supostamente subtraídas de celulares invadidos". Segundo o comunicado, "o conteúdo de quaisquer mensagens que venham a ser localizadas no material apreendido será preservado, pois faz parte de diálogos privados, obtidos por meio ilegal”. O órgão também contestou, indiretamente, a manobra de Moro: “Caberá à Justiça, em momento oportuno, definir o destino do material, sendo a destruição uma das opções".

A Folha de S.Paulo, por sua vez, noticia que o vazamento de nomes suspostamente hackeados “ampliou a desconfiança de políticos e ministros de cortes superiores sobre a atuação” de Moro. Eles acreditam que a maneira como a suposta invasão de outros celulares foi divulgada parece uma “tentativa de criar um cinturão de solidariedade a ele e à destruição de mensagens. Surtiu efeito contrário”.

Tão logo pipocaram dados de autoridades que teriam sido alvo de ataque, políticos especularam sobre 1) a conveniência de espraiar a crise, criando uma “cortina de fumaça” para o foco na Lava Jato, e 2) a hipótese de instrumentalização da PF. Deputados chegaram a indagar quantos hackers foram pegos por clonar, por exemplo, telefones de ex-ministros de Temer – vários foram alvos de golpes – ou se, pelos embates entre Moro e o Congresso, não haveria possibilidade de subtração ou alteração de provas.

A OAB foi provocada a ingressar com uma reclamação no Supremo questionando o procedimento adotado até agora, já que o hackeamento teria atingido pessoas com prerrogativa de foro. A Ordem estuda, de fato, ingressar com a medida e deve fazer petição ao juiz Vallisney de Souza, solicitando que não autorize a destruição de provas.

Juiz federal do TRF-4, Jorge Antonio Maurique diz que, apesar de a PF indicar que as mensagens são fruto de invasões a celulares, “se verdadeiro, o conteúdo vazado (…) é muito ruim para os envolvidos. Impressiona que não haja indignação no mundo jurídico com o conteúdo, e sim com a forma. Veja que o conteúdo não foi contestado expressamente pelos envolvidos”, diz Maurique. “Por causa de mensagens vazadas a jornalistas, o governador de Porto Rico acaba de renunciar. Lá, só importou o conteúdo.”

Já o governador Flávio Dino (PCdoB-MA) diz que “parte diretamente interessada não deveria nem opinar sobre o assunto [destruição de provas]. Muito menos comunicar autoridades. Realmente o Direito no Brasil virou coisa bem esquisita.”

Com agências