Políticos, Judiciário e até Polícia Federal criticam manobra de Moro
Em mais uma ilegalidade – agora à frente do Ministério de Justiça e Segurança Pública –, o ex-juiz Sergio Moro decidiu descartar, por conta própria, material obtido pela Polícia Federal (PF) junto a hackers. Essa decisão, no entanto, não cabe ao titular da Justiça, mas, sim, ao juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal Criminal de Brasília.
Publicado 26/07/2019 11:25
Vallisney decretou as prisões temporárias dos quatro jovens suspeitos de invadir telefones de cerca de mil pessoas via aplicativo de mensagens Telegram, conforme aponta a investigação. Ele ainda vai decidir se as mensagens ilegalmente capturadas por hackers serão ou não serão destruídas.
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que o Judiciário decidirá o destino do material apreendido – "e não este ou aquele órgão administrativo", referindo-se a Moro. Para o ministro, decidir de outro modo "é justiça pelas próprias mãos, inadmissível em um Estado Democrático de Direito".
Segundo o UOL, um membro do STF (Supremo Tribunal Federal), sob condição de anonimato, também criticou o fato de Moro telefonar para pessoas listadas como alvo dos hackers e afirmar que destruirá as mensagens. "Isso que ele está fazendo, além de desmoralizar a Polícia Federal e o Judiciário, ainda pode prejudicar a condução do processo, pois estas atitudes podem ser questionadas no Supremo", disse.
O magistrado diz que Moro confunde suas funções com as de um "delegado da Polícia Federal, que conduz a investigação, e do juiz, que deveria tomar este tipo de decisão". O ministro do STF ainda afirmou que uma investigação que envolve autoridades com foro privilegiado deveria ser tratada no STJ (Superior Tribunal de Justiça), ou no STF e que Moro deveria se retirar do caso, por também ser parte envolvida.
A assessoria do STJ divulgou que Moro telefonou para o presidente da Corte, ministro João Otávio Noronha, e "informou durante a ligação que o material obtido vai ser descartado para não devassar a intimidade de ninguém". Moro também avisou o presidente do STF, Dias Toffoli, que hackers tiveram acesso a mensagens de celulares de ministros do Supremo. Nesta sexta-feira (26),
Para o ministro aposentado do STJ Gilson Dipp, a afirmação de Moro "é um autoritarismo em nome da proteção de autoridades. O Ministério da Justiça está atuando como investigador, como acusador e como próprio juiz ao mandar destruir provas – se é que isso é verdade. Eu não estou acreditando ainda".
Moro afirmou, no Twitter, que "as centenas de vítimas do hackeamento ilegal têm o direito de saber que foram vítimas e só estão sendo comunicadas. Não tenho lista, só estou comunicando alguns". Mas sua atitude causou muita irritação na Polícia Federal. Assim que a notícia veio à tona, grupos de delegados e agentes da corporação entraram em polvorosa criticando a manifestação. Para os policiais, Moro se comportava como juiz da causa e feria a autonomia da PF.
“O ministro deveria, como vítima, aguardar o fim da investigação e a publicidade de todos dados pelo Judiciário para depois se manifestar. Com sua fala, Moro fere a autonomia da PF, que é quem conduz a investigação”, disse Edvanir Paiva, presidente da ADPF (Associação de Delegados da Polícia Federal). “Em episódios anteriores já tivemos crises graves por causa disso. Lembra-se do caso Segovia? Não queremos outra crise por uma autoridade se manifestar sobre as investigações que são da polícia.”
O caso abordado por Paiva foi o do ex-diretor geral da PF Fernando Segovia, demitido em fevereiro de 2018 depois de três meses no cargo. O estopim foi a declaração do diretor-geral de que a tendência era arquivar o inquérito dos Portos que investigava o presidente da época, Michel Temer. O emedebista acabou denunciado por corrupção e lavagem.
Em nota, também nesta quinta-feira, a PF informou que suas investigações “não têm como objeto a análise das mensagens supostamente subtraídas de celulares invadidos". Segundo o comunicado, "o conteúdo de quaisquer mensagens que venham a ser localizadas no material apreendido será preservado, pois faz parte de diálogos privados, obtidos por meio ilegal”. O órgão também contestou, indiretamente, a manobra de Moro: “Caberá à Justiça, em momento oportuno, definir o destino do material, sendo a destruição uma das opções".
A Folha de S.Paulo, por sua vez, noticia que o vazamento de nomes suspostamente hackeados “ampliou a desconfiança de políticos e ministros de cortes superiores sobre a atuação” de Moro. Eles acreditam que a maneira como a suposta invasão de outros celulares foi divulgada parece uma “tentativa de criar um cinturão de solidariedade a ele e à destruição de mensagens. Surtiu efeito contrário”.
Tão logo pipocaram dados de autoridades que teriam sido alvo de ataque, políticos especularam sobre 1) a conveniência de espraiar a crise, criando uma “cortina de fumaça” para o foco na Lava Jato, e 2) a hipótese de instrumentalização da PF. Deputados chegaram a indagar quantos hackers foram pegos por clonar, por exemplo, telefones de ex-ministros de Temer – vários foram alvos de golpes – ou se, pelos embates entre Moro e o Congresso, não haveria possibilidade de subtração ou alteração de provas.
A OAB foi provocada a ingressar com uma reclamação no Supremo questionando o procedimento adotado até agora, já que o hackeamento teria atingido pessoas com prerrogativa de foro. A Ordem estuda, de fato, ingressar com a medida e deve fazer petição ao juiz Vallisney de Souza, solicitando que não autorize a destruição de provas.
Juiz federal do TRF-4, Jorge Antonio Maurique diz que, apesar de a PF indicar que as mensagens são fruto de invasões a celulares, “se verdadeiro, o conteúdo vazado (…) é muito ruim para os envolvidos. Impressiona que não haja indignação no mundo jurídico com o conteúdo, e sim com a forma. Veja que o conteúdo não foi contestado expressamente pelos envolvidos”, diz Maurique. “Por causa de mensagens vazadas a jornalistas, o governador de Porto Rico acaba de renunciar. Lá, só importou o conteúdo.”
Já o governador Flávio Dino (PCdoB-MA) diz que “parte diretamente interessada não deveria nem opinar sobre o assunto [destruição de provas]. Muito menos comunicar autoridades. Realmente o Direito no Brasil virou coisa bem esquisita.”
Com agências