Dallagnol, enfim, admite autenticidade de conversas da Vaza Jato

A exemplo da procuradora Jerusa Viecili – sua colega na operação Lava Jato em Curitiba (PR) –, Deltan Dallagnol respaldou a “Vaza Jato”. Em entrevista nesta sexta-feira (30) à BBC, o comandante da operação se retratou por ter sido “um pouco irresponsável” ao ironizar a morte de parentes do ex-presidente Lula. Ao fazer mea-culpa, Dallagnol confirmou, de forma indireta, a autenticidade das mensagens obtidas e divulgadas pelo site The Intercept Brasil.

Por André Cintra

Deltan

O depoimento de mais de uma hora do procurador-chefe da operação foi descrito pela BBC como “uma das entrevistas mais detalhadas que [Dallagnol] concedeu desde o início da série de reportagens”. Apesar de tentar se vitimizar e falar novamente em adulteração, Dallagnol foi pego em contradição ao comentar a forma desrespeitosa como os procuradores trataram Lula.

“As pessoas têm que entender que essas conversas são conversas que você teria na mesa de casa com a família, são pessoas que estão trabalhando há cinco anos juntas, são amigas. São conversas que você tem com o círculo de intimidade, conversas que você fica à vontade para falar até alguma besteira, uma bobagem, para ser até certo modo irresponsável”, afirmou ele, confirmando a veracidade das mensagens.

Em outro trecho, Dallagnol admite ainda mais enfaticamente a autenticidade do conteúdo vazado na série do Intercept: “A gente foi hackeado, eles têm mensagens verdadeiras. Eu não posso atestar que tudo lá seja verdade, mas existem coisas lá que a gente lembra, temas que a gente lembra que conversou”. Um recuo e tanto.

Não por caso, a crise de credibilidade da Lava Jato, somada às denúncias contra Dallagnol no Conselho Nacional do Ministério Público, levam o procurador a reconhecer o estrago: “Essas reportagens vêm e mordem a operação. Mordem e fazem a operação sangrar”.

Ele também se recusou a dizer se se – e como – continua a conversar com o ex-juiz Sergio Moro, hoje um desidratado ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Deixa no ar que existem diálogos “sobre temáticas de interesse da luta contra a corrupção”. O entrevistador, Ricardo Senra, provoca: “Essas conversas não devem mais estar acontecendo por aplicativos de mensagem, eu imagino”. Ao que um constrangido Dallagnol responde: “Olha, como acontecem as conversas não é o que importa”.

Outro tema a incomodar o procurador é a dinheirama que ele recebeu com palestras – muitas, aliás, em caráter sigiloso, o que é vedado no Ministério Público Federal: “Então, de novo, a minha atividade de palestras, além de ser legal e legítima, em relação às remuneradas, se considerar tudo o que aconteceu desde 2016, mais de 50% do que recebi foi doado ou destinado a interesse público, teve uma destinação pública. Uma parte desse valor, R$ 180 mil, estão reservados para investir especificamente na causa de corrupção. Isso está declarado no meu imposto de renda, tudo o que recebi está declarado. Eu poderia ficar com os recursos, não tem nada de errado, e ainda assim eu doo grande medida”.

Fica a dúvida: se tudo é “legal e legítimo” – se “é uma atividade econômica como qualquer outra, autorizada pela Constituição” –, por que a obsessão em falar com tanta ênfase em doações? Na entrevista, o incômodo de Dallagnol fica mais visível à frente, ao tratar com mais minúcia das palestras. Tirem suas conclusões:

BBC News Brasil – (…) E eu também queria saber quanto dinheiro o senhor ganhou em palestras pagas neste mesmo período.
Dallagnol – Essa é uma informação privada, de novo. Essa atividade é legal, legítima e privada. É a mesma coisa que eu perguntar qual é o seu salário.

BBC News Brasil – É que é conveniente divulgar o número de palestras gratuitas para defender o seu ponto ao mesmo tempo em que guarda esta outra informação. Parece contraditório.
Dallagnol – Não, não é contraditório. Essa é uma atividade privada, legítima, e eu não tenho nenhuma obrigação de oferecer essa informação, assim como você não é obrigado a fornecer o seu salário. (…)

BBC News Brasil – De fato, essa é uma informação privada. Mas como o senhor divulgou uma informação privada de número de palestras gratuitas, porque isso é positivo para a imagem do senhor, eu achei que faria sentido divulgar as demais. O senhor discorda?
Dallagnol – Eu acho que essa informação de que eu fiz bem menos remuneradas do que gratuitas é mais do que suficiente para que as pessoas tenham uma dimensão. É uma informação privada. É o mesmo que eu perguntar quanto você e seus colegas ganham. Ninguém sai perguntando para as pessoas quanto que o médico ganha, ou o profissional de saúde ganha.

BBC News Brasil
– Eu não perguntei quantas palestras gratuitas o senhor fez, e o senhor me disse. Então…
Dallagnol – Eu disse por quê? Porque existe aí um foco em tentar sempre mostrar aquilo que pode gerar uma polêmica e não mostrar o que traz equilíbrio (…).

BBC News Brasil – Mas ao mesmo tempo, se o senhor me diz que ganhou 500 mil reais, ou 1 milhão de reais, ou 5 milhões de reais com palestras privadas, isso também poderia levar algumas pessoas a refletirem: "Nossa, a atividade da Lava Jato é muito rentável para os seus membros".
Dallagnol – A atividade da Lava Jato não é rentável para os seus membros. Tenho processos contra mim pedindo mais de um milhão de reais, tem ação popular movida contra a gente aqui, uma série de representações contra nós no Conselho Nacional do MP.