Sem perspectivas, pesquisadores deixam o Brasil

Cerca de 92% do território brasileiro está nos trópicos. A biomédica brasileira Vanessa Bottino Rojas trabalha com mosquitos geneticamente modificados que são vetores de doenças tropicais, como dengue e malária.

Por Felipe Prestes, no Sul21

Laboratório de Biologia Celular - Foto: Giulia Cassol/Sul21

“A gente está tentando produzir mosquitos que não são capazes de transmitir doenças e que sejam fortes o suficiente para competir com os demais mosquitos”, explica. No entanto, o trabalho da pesquisadora é desenvolvido na University of California, em Irvine.

Vanessa esteve nos Estados Unidos pela primeira vez fazendo doutorado sanduíche, entre 2015 e 2016. Retornou ao Brasil para concluir sua tese na UFRJ e a intenção era ficar no país. Conseguiu uma bolsa de pós-doutorado por um ano, mas que não permitia renovação, e foi ficando cada vez mais difícil permanecer. “Tentei alguns editais, mas foi um funil, porque eram cada vez menos, então a concorrência era muito grande”, conta.

A saída foi aceitar o convite do professor que a orientou no sanduíche para voltar à Califórnia. Vanessa chegou em abril do ano passado com um contrato de um ano, mas com possibilidade de renovação. Em 2019, renovou este contrato por mais dois anos. “A situação em abril deste ano ia de mal a pior no Brasil, as perspectivas de voltar eram nulas, voltaria desempregada”, lamenta. Nos Estados Unidos, percebe um tratamento mais profissional com os pesquisadores. “Aqui a maneira de pensar é diferente, aqui é como um emprego, você é contratado, você renegocia o contrato, é um esquema de emprego”. Mas, mesmo com as dificuldades, a pesquisadora relata que “o Brasil é muito forte nessa área”: “Na UFRJ, onde eu estudei, há muitos pesquisadores de renome”.

Vanessa gostaria de poder voltar e desenvolver um trabalho que considera “muito importante para o Brasil”. “Eu acho que o Brasil perde muito, porque eu sou só uma. Eu conheço muitas pessoas que estão aqui por motivos parecidos, até mesmo professores ou pessoas mais velhas que já têm pesquisas mais desenvolvidas”, conta.

Ao contrário de Vanessa, o engenheiro da Computação Vinicius Neves Motta não foi para o exterior por causa dos cortes na educação brasileira. “Eu fiz mestrado no Brasil em 2015 e 2016, mas trabalhando ao mesmo tempo, e eu estava decidido a focar mais na carreira acadêmica, então meu orientador me aconselhou a ter uma experiência fora do país”. Vinicius rumou para Montreal, no Canadá, em agosto de 2017. Seu doutorado, na Polytechnique Montréal, acaba apenas em 2021, mas ele já antevê a impossibilidade de voltar ao Brasil.

“Em 2018, eu imaginava que a ciência brasileira poderia melhorar, com a eleição de um novo governo. Quando Bolsonaro começou a mostrar que poderia ganhar, apesar da vontade de trabalhar em universidade brasileira, eu já comecei a pensar: será que dá para voltar? Ele tem um perfil obscurantista, saudoso de uma Ditadura Militar que perseguiu as universidades”. Com as políticas desenvolvidas pelo novo Governo, esse temor de não ter como trabalhar com ciência no Brasil só aumentou. “No momento não tenho nenhuma perspectiva de voltar. Não dá para retornar se não terá sequer concurso aberto. Outros brasileiros aqui também pensavam em voltar e vão ficar mais tempo ou se estabelecer por aqui”, relata.

Em Montreal, Vinicius pesquisa redes inteligentes para distribuição de energia elétrica, que podem gerar benefícios como medidores mais precisos, envio de informações em tempo real, economia de energia e detecção de estresses na rede. “É um assunto que está começando, engatinhando no Brasil. Gostaria muito de ajudar”.

Números indicam a fuga de cérebros

Do início deste ano até o dia 28 de julho, 21.873 pessoas declararam à Receita Federal sua saída definitiva do país. O número já é quase igual a todo o ano passado, quando 23.149 brasileiros comunicaram que estavam indo embora do Brasil. O número cresce significativamente desde 2016. Se, em 2015, apenas 14.920 pessoas deixaram o país, em 2016 este número já saltou para 21.040.

“Tem ocorrido, sim (uma fuga de cérebros). Pesquisadores que podem ir para fora do país estão o fazendo. Falamos, em geral, de famílias cujos pais têm formação superior e os filhos estão em idade escolar. Esse ano, como os números indicam, a fuga de cérebros deve ter se intensificado até em função da postura belicosa do governo para com as universidades”, afirma o doutor em Educação e Pós-Doutor em Sociologia Gregório Grisa.

A consultoria especializada em expatriação JBJ Partners realizou uma pesquisa com 240 brasileiros que moram nos Estados Unidos. O estudo mostra que, nos últimos quatro anos, a parcela de migrantes com formação universitária passou de 83% para 93%. O número dos que têm pós-graduação cresceu de 18% para 23%. “Antes o perfil do migrante era um jovem, solteiro, sem filhos, que tenta a vida, sem algo planejado. Agora é um perfil de pessoas muito qualificadas, que fazem uma expatriação mais planejada”, explica Jorge Botrel, sócio da consultoria. Os motivos mais citados pelos que deixaram o país foram segurança, instabilidade econômica e política e a busca por melhor qualidade de vida. O questionário aplicado não abordou a questão dos cortes na educação superior.

O secretário de Educação Superior do MEC, Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, afirma que a fuga de cérebros preocupa o Governo. “Estamos tão preocupados que lançamos o Future-se. Queremos reter talentos e receber os de fora. Nossos pesquisadores não precisarão ir para fora. Queremos estabelecer a cultura do suor: quanto mais trabalho, mais recursos o pesquisador terá”.

“Nós estamos jogando dinheiro fora”

Nas universidades brasileiras, professores já sentem a falta de jovens talentos. A busca por posições em universidades de outros países é comum no meio acadêmico. Mas o processo tem se acelerado, afirma o coordenador do PPG de Biologia Celular e Molecular da UFRGS, Hugo Verli (foto ao lado): “Eles estão indo no meio da formação agora. Quem pode, terminando graduação ou mestrado, já está saindo. Isso está ficando bem comum, infelizmente”.

Hugo Verli é professor associado nível III da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências.

Verli tem visto muitos pesquisadores saírem do país. “E está aumentando rapidamente. Os alunos que podem estão indo. Eu tenho um aluno de mestrado que está comigo desde a graduação e ele conseguiu uma posição em Praga e foi. Tem outro que terminou o doutorado comigo e agora está na Inglaterra. Isso é frequente, tem vários professores cujos alunos foram”, conta.

A professora do Instituto de Física da UFRGS e diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Márcia Barbosa, também tem perdido alunos no meio de sua formação. “Tenho um aluno de mestrado que já disse que vai sair. Então, eu treinei uma pessoa até o mestrado e ela está indo embora, vai terminar o projeto lá. E ele sabe o que eu sei, está levando o meu conhecimento. Nós estamos jogando dinheiro fora”.

Segundo a diretora da ABC, São Paulo ainda tem conseguido segurar alunos, graças ao financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), “mas nos outros Estados não há nada que segure”. A perda de pesquisadores traz mais preocupação que a falta de recursos para manutenção de equipamentos. “Se tiver dinheiro, no ano que vem eu compro a peça, mas não consigo convencer o pesquisador a voltar”, explica a cientista.

Além da falta de recursos, o obscurantismo do Governo pode aumentar a perda de cérebros em determinadas áreas. “O pessoal da área de Meio-Ambiente a gente vai perder facinho, porque não estamos levando a sério o tema, e lá fora eles levam a sério”, conclui Márcia Barbosa.

Quem não consegue deixar o país, muitas vezes acaba trabalhando em outras áreas. “Estão cortando o fomento e as bolsas. A reação imediata dos estudantes é que eles procuram outra coisa para fazer. Tem o que a gente chama de PHD Uber. Não são raros os casos de estudantes que estão fazendo Uber, porque não podem sair do Brasil”.