Senado deve livrar Trump do impeachment, mas reeleição vira incógnita

A presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, anunciou, na terça-feira (24), a abertura de um processo de impeachment contra o presidente Donald Trump. Apesar do impacto da notícia, o processo não é simples – e nem fácil –, mas deverá agitar bastante os meios políticos e os mercados nos próximos meses. O assunto já se estende desde o ano passado. Só que, como havia poucos argumentos e provas contra o presidente, os democratas não queriam seguir em frente com um pedido formal.

Trump

Isso mudou após o recente escândalo político envolvendo Trump, que teria pedido ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que investigasse o filho do rival democrata, Joe Biden, em troca de ajuda financeira na área militar. Após autorização de Trump, foi liberada nesta quarta a transcrição da conversa com o líder ucraniano. O documento mostra que ele realmente pediu uma investigação sobre Joe Biden e seu filho Hunter em um telefonema feito em julho.

“Há muita conversa sobre o filho de Biden, que Biden interrompeu a investigação e muitas pessoas querem descobrir isso, então o que quer que você possa fazer com o procurador-geral seria ótimo”, disse Trump em ligação que durou cerca de 30 minutos. “Biden saiu por aí se vangloriando de ter impedido a investigação, então, se você puder conferir isso… Parece horrível para mim”, disse o presidente dos EUA, segundo o documento divulgado nesta quarta-feira (25).

O pedido de investigação feito por Trump era para tentar descobrir se Joe Biden encerrou uma investigação sobre uma empresa onde seu filho trabalhava. O caso teria acontecido na mesma época em que se discutia o envio de US$ 391 milhões para ajudar a Ucrânia, que foi aprovado e enviado neste mês.

O senador democrata Chris Murphy, que se reuniu com Zelensky e outras autoridades ucranianas antes do pagamento, afirmou que eles se mostraram “preocupados que o auxílio que estava sendo cortado pelo presidente era consequência de sua falta de vontade de investigar o filho de Biden naquele momento”.

O processo de impeachment

O primeiro passo para a deposição de Trump foi o já tomado pela presidenta da Câmara, Nancy Pelosi, que pediu a abertura de um inquérito para apurar se o presidente realmente cometeu alguma ilegalidade. No caso aqui, as ilegalidades seriam traição aos EUA e suborno.

A democrata já anunciou que seis comissões da Câmara reunirão argumentos pelo impeachment para criar um pedido formal. Em seguida, a Comissão de Justiça analisa as provas e argumentos, a fim de decidir se a resolução deverá ser votada pelo plenário da Casa. O processo final é escrito em uma série de artigos.

Na segunda etapa, ocorre a votação no plenário da Câmara dos Deputados, onde os parlamentares debatem os artigos apresentados no processo. Para o pedido ser aceito, basta maioria simples, ou seja, 218 dos 435 deputados precisam votar a favor da condenação. Se o pedido passar na Câmara, Trump é declarado “impedido”, que é apenas uma definição formal de que ele está sendo processado. Na prática, ele não perdeu o cargo ainda.

Na próxima etapa é a vez do Senado. Diferentemente da Câmara, aqui não é apenas uma votação, mas um julgamento, onde os parlamentares atuam como acusadores e o presidente tem direito a defesa. O julgamento é político e jurídico, mas é presidido pelo presidente da Suprema Corte.

Após todas as apreciações, ocorre a votação. Trump perderá o mandato se dois terços dos senadores votarem a favor da condenação, ou seja, 67 dos cem parlamentares. O presidente perde o cargo logo após a votação e, em caso de derrota, deve ser substituído pelo vice-presidente. Ele não sofreria mais nenhuma pena.

As chances de Trump

No início do processo, o jogo parece estar contra Trump. Primeiro por conta do teor da conversa, que ainda deve ser melhor analisada, já que não há explicitamente uma troca de favores. Por outro lado, apenas o pedido para investigar Biden deve pesar bastante contra o presidente americano.

Na Câmara, as chances de derrota são grandes para ele, já que o partido democrata tem maioria na Casa, com 235 dos 435 parlamentares. A questão é o Senado, onde está a grande força de Trump, já que seu partido, o Republicano, tem maioria: 53 dos cem senadores. Além disso, é nessa Casa que são necessários dois terços para vencer – ou seja, os democratas precisam convencer uma grande quantidade de republicanos para conseguir apoio suficiente pelo impeachment.

“A necessidade de virar uma quantidade significativa de votos republicanos no Senado e a proximidade da eleição, que ocorre em novembro do ano que vem, são argumentos no sentido de que não prospere o movimento contra o presidente”, avalia a equipe de analistas da XP Política. “Vale adicionar que, mesmo após todos os acontecimentos recentes, não foi vista nos últimos dias movimentação relevante de parlamentares republicanos em sentido de abandonar o presidente.”

Na História

Outro dado que dá força para Trump é o fato de que o mandato de nenhum presidente na História norte-americana foi cassado até hoje. Foram quatro inquéritos de impeachment, mas nenhum concluído. Apenas em dois casos a Câmara aprovou o processo, que acabou barrado no Senado: Andrew Johnson em 1868, e Bill Clinton em 1998.

Em 1860, chegou a ocorrer a abertura de inquérito contra o então presidente James Buchanan, mas o processo não foi em frente. Já em 1973, houve o processo contra Richard Nixon pelo caso conhecido como Watergate, mas ele renunciou antes da votação na Câmara.

Apesar das poucas chances de o processo triunfar, os analistas da XP destacam que o novo cenário aumenta o risco eleitoral: “Sem os votos no Senado, o melhor cenário para os democratas é arrastar o desgaste do presidente pela Câmara pelo período mais longo que conseguirem. Com isso, a discussão eleitoral pode ser antecipada, precipitando reações do mercado em relação à possibilidade de eleição de um candidato democrata com propostas econômicas mais intervencionistas, como Elizabeth Warren ou Bernie Sanders”.

O cenário eleitoral hoje dá grande força para Donald Trump – praticamente todas as pesquisas apontam para uma reeleição do republicano em 2020. Do lado democrata – que ainda tem mais de dez candidatos disputando uma vaga –, é exatamente Joe Biden quem tem despontado nas pesquisas, seguido de perto por Warren e Sanders, o que põe os três como os principais candidatos pela vaga democrata nas eleições.

Do ponto de vista do mercado, o prolongamento do processo pode aumentar a volatilidade em um cenário já bastante conturbado pela guerra comercial entre EUA e China. Segundo a XP Política, é possível que não só as bolsas americanas fiquem agitadas – mas os mercados no mundo todo, levando a uma provável alta do dólar conforme os investidores busquem por maior proteção em um ambiente de maior incerteza.