Argentina: Governo Macri mente em relatório e esconde herança maldita

Um pequeno relatório intitulado Oito Pontos sobre a Economia perturbou a transição de governo na Argentina. O texto de sete páginas – que não tem assinatura ou papel timbrado, mas foi distribuído pelas equipes de comunicação da presidência – afirma que a situação econômica que Mauricio Macri legará ao seu sucessor, o peronista Alberto Fernández, deixará o país sul-americano “pronto para crescer” em 2019. Do México, onde está em viagem, Fernández pediu ao macrismo que “pare com a mentira”.

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A “herança” recebida do kirchnerismo foi a muleta de Macri no início de seu mandato em 2015. Repetida como um mantra para justificar o ajuste da economia, perdeu força com o avanço da gestão e o aprofundamento da crise. Fernández ainda não falou em “herança recebida”, mas alertou que o 10 de dezembro não será “um dia mágico” que resolverá todos os problemas.

O próximo governo receberá um Banco Central com reservas internacionais próximas de zero, inflação acima de 55%, dívida externa próxima de 100% do PIB, mais pobreza e desemprego do que há quatro anos e restrições à compra e venda de dólares. No entanto, o relatório divulgado pela Casa Rosada, elaborado pela chefia de Gabinete liderado por Marcos Peña, edulcora a realidade para mostrar um suposto lado positivo dos índices mais duros.

“Sobre a herança econômica que deixamos”, começa o texto, decidido a ir diretamente à questão. “No final de 2019, o país está pronto para crescer. Sem mágica, sem mentira, sem ficção. Graças ao esforço dos argentinos durante todos esses anos, revertemos a herança de 2015 (…) O ponto de partida para 2020 é muito mais saudável”, continua.

O governo argentino fantasia as razões de seu otimismo: o déficit fiscal caiu pela metade, as estatísticas oficiais foram normalizadas, o custo da energia se ajustou aos padrões internacionais, a infraestrutura foi melhorada e as exportações cresceram. Vale lembrar que, no rastro do ajuste neoliberal da Era Macri, a economia argentina entrou em recessão. Em seu último relatório sobre o país, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou que o PIB argentino cairá 1,7% no próximo ano, que se somará aos 3% esperados para este ano.

Sobre os problemas mais evidentes, o Governo buscou argumentos ao menos criativos. Assume que a dívida externa cresceu US$ 75 bilhões (cerca de R$ 300 bilhões) em três anos, mas garante que não havia alternativa devido ao déficit fiscal e às contas não pagas deixadas pelo kirchnerismo. E se a inflação não caiu foi porque “infelizmente, não pode ser eliminada de um dia para o outro” – “mas nesses quatro anos demos os passos necessários para começar a ver uma redução sustentada e sustentável da inflação”.

O relatório admite, no entanto, que as coisas se complicaram a partir de abril do ano passado, com a primeira grande desvalorização do peso, mas a atribuiu ao medo gerado nos investidores pelo retorno do peronismo. “No início de nossa gestão conseguimos levantar os controles cambiais porque as pessoas olham para o futuro para decidir hoje. Agora tivemos de recolocá-los, contra a nossa vontade, porque essas mesmas pessoas têm medo do que pode acontecer no futuro.”

Fernández respondeu ao relatório no México, em declarações feitas a um canal de notícias argentino. “Embora ainda restem dez minutos de governo, peço-lhes que parem com a mentira, porque dois anos atrás ninguém pensava que a Argentina teria a crise que tem e é produto da grande inoperância do governo”, disse o presidente eleito, visivelmente incomodado.

Ele acusou Macri de demorar a adotar o cepo cambiário por questões eleitorais e, assim, provocar a saída de US$ 22 bilhões do Banco Central desde sua derrota nas primárias em 11 de agosto. Sobre o problema da dívida externa, disse que “há quatro anos, não existia”.