Pesquisadora destaca o papel da ciência no combate ao coronavírus

O caso do coronavírus e a mobilização da comunidade científica internacional para enfrentar a letalidade do novo vírus exemplificam o valor do caráter cumulativo do conhecimento e da ciência e mostram os riscos que o Brasil corre ao cortar investimentos em universidades e centros de pesquisa responsáveis pela produção científica no país.

Maria Luiza Saraiva Pereira: “Se não houvesse ciência suficiente acumulada o problema (do coronavírus) seria muito mais grave”. l Foto: Luiza Castro/Sul21

O alerta foi feito pela bioquímica Maria Luiza Saraiva Pereira, professora e pesquisadora em neurogenética na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que participou nesta segunda-feira (12) do debate “Precisamos falar de Ciência”, promovido pela Adufrgs Sindical. Maria Luiza Pereira e Luis Carlos Pinto da Silva Filho, diretor da Faculdade de Engenharia da UFRGS foram os convidados da primeira edição do “Conversas na Adufrgs”, uma série de eventos em defesa da Educação e a Ciência como pautas estratégicas para a sociedade brasileira.

O debate foi mediado por Søndre Schneck, professor no Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Escola de Enfermagem da UFRGS e Secretário e Diretor Social e Cultural da Adufrgs, que utilizou o caso do coronavírus para dialogar com os debatedores acerca dos desafios colocados para a produção de ciência e conhecimento dentro da Universidade na conjuntura atual.

A pesquisadora em neurogenética destacou que a rápida identificação e isolamento do novo vírus só foi possível graças ao conhecimento científica acumulado a respeito das famílias desses vírus, ao desenvolvimento de equipamentos e tecnologia e à existência de profissionais treinados para realizar esse trabalho. “Se não houvesse esse conhecimento científico acumulado talvez o vírus ainda não tivesse sido identificado. Só nas últimas semanas, já foram publicados vários artigos sobre o coronavírus em revistas científicas internacionais. Se não houvesse ciência suficiente acumulada o problema seria muito mais grave”, afirmou Maria Luiza Saraiva Pereira.

Debate ‘Precisamos falar sobre ciência’ alertou para consequências para desmonte da Ciência no Brasil. l Foto: Luiza Castro/Sul21

“Precisamos ser capazes de pensar o impensável, pois de uma hora para outra podemos nos defrontar com situações como esta que estamos vivendo agora. Quem poderia prever a eclosão de um novo tipo de coronavírus como ocorreu?”, acrescentou a pesquisadora.

“A ciência e a tecnologia são cumulativos. Perder essa capacidade de acumular é muito grave. Se o Brasil perder o que acumulou em décadas de pesquisa científica, além das consequências para a sociedade, perderá relevância na comunidade internacional”, disse o engenheiro Luis Carlos Pinto da Silva Filho. Para o diretor da Faculdade de Engenharia da UFRGS, a desestruturação do setor de fomento da pesquisa vai custar muito caro ao país, justamente no momento em que enfrentamos crescentes desafios em escala global.

Por outro lado, o engenheiro destacou a necessidade de os pesquisadores melhorarem sua capacidade de comunicação com a sociedade em geral. “A ciência representa o conhecimento acumulado pela humanidade. Nesta evolução, houve uma progressiva especialização dos campos de conhecimento e, com ela, o desenvolvimento de linguagens cada vez mais específicas e sofisticadas. Isso foi gerando um certo afastamento dos cientistas e da Universidade em relação ao conjunto da sociedade. Mais do que nunca, a Ciência é fundamental, mas precisamos aprender a dialogar melhor com a sociedade”, disse Luis Carlos Pinto da Silva Filho.

Luis Carlos Pinto da Silva Filho: “A Ciência é fundamental, mas precisamos aprender a dialogar melhor com a sociedade”. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

O professor da UFRGS também defendeu que é preciso enfrentar uma distorção que marca o debate entre as demandas mais imediatas da sociedade e as agendas da ciência básica. “Em algum momento, a ciência básica tem que servir à sociedade. Mas, além das demandas do presente, precisamos estar atentos às tendências do futuro. A Universidade tem que liderar esse processo e está desafiada a isso”, assinalou.

Na mesma linha, Maria Luiza Pereira observou que, para quem faz parte da comunidade científica, a importância da Ciência é óbvia, mas isso não é suficiente para enfrentar os desafios do presente. “Nós não temos nenhuma dúvida sobre a importância da Ciência, mas é preciso tornar isso mais claro para o conjunto da sociedade. Todos querem um melhor atendimento em saúde, remédios melhores, etc., mas nem todo mundo percebe o quanto de ciência e pesquisa, em vários países, é preciso para chegar a isso. A gente vai montando um quebra-cabeça ao longo de um tempo, o que pode significar vários anos. A ciência e o conhecimento, com o passar dos anos, também passaram a integrar vários campos diferentes. Hoje, no meu campo de pesquisa (doenças genéticas), precisamos do apoio de áreas como informática e estatística, entre outras, para dar conta de lidar com a enorme quantidade de dados gerados. Trabalhamos em rede e interagimos com pesquisadores de vários países”.

Esse caráter cumulativo e integrado da pesquisa científica está seriamente ameaçado no Brasil, enfatizou a bioquímica. “O corte das verbas de fomento para a pequisa, no longo prazo, vai repercutir no cotidiano de toda a população e se refletirá em temas como acesso a exames e a medicamentos. Já estamos retrocedendo, com muitos projetos sendo paralisados. Isso representa um atraso muito grande. É até difícil de medir as suas consequências”, disse Maria Luiza.

Fonte: Sul21

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