Direitos Já revela preocupação com escolha de missionário para Funai

A nomeação afronta um órgão que defende e busca o alcance da plena autonomia e autodeterminação dos povos indígenas e garantias fundamentais emanados da Constituição de 1988,

(Foto Helena Oliveira/Funai)

Em nota, o Direitos Já! Fórum Pela Democracia manifestou preocupação com a nomeação de Ricardo Dias Lopes para assumir a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Fundação Nacional do Índio (Funai), oficializada no último dia 3 de fevereiro. O profissional tem como foco o trabalho de evangelização.

Confira a nota:

O Direitos Já! Fórum Pela Democracia vem a público manifestar sua preocupação com a nomeação de Ricardo Dias Lopes para assumir a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Fundação Nacional do Índio (Funai), oficializada no último dia 3 de fevereiro.

A trajetória profissional e acadêmica do Ricardo Dias Lopes foi, em boa parte, dedicada ao trabalho missionário na Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), instituição internacional com sede na Flórida (EUA), que desde os anos de 1950 trabalha na evangelização e “suporte espiritual” dos índios brasileiros. A atuação de Dias Lopes na MNTB entre 1997 e 2007 não o habilita a cumprir a missão legalmente estabelecida de garantir aos índios isolados o pleno exercício de sua liberdade, cultura tradicional e de suas atividades de subsistência, de acordo com a Portaria Funai nº 290, de 20 de abril de 2000.

Sua nomeação para um órgão que defende e busca o alcance da plena autonomia e autodeterminação dos povos indígenas no Brasil não representa um ataque aos índios, mas a todos os brasileiros, por afrontar os direitos e garantias fundamentais emanados da Constituição de 1988, a qual reiterou que o Estado Brasileiro é laico, o que significa que crenças religiosas são opções individuais e não podem interferir em resoluções de governo, pois este não pode estabelecer qualquer forma de aliança ou cooperação com qualquer religião, nem tampouco perseguir cultos religiosos, pois a liberdade de consciência e de crença são invioláveis.

Ressalte-se que, nas últimas décadas, a Funai tem adotado a política de não contato com populações isoladas, a fim de respeitar a vontade própria dos índios de manter seu isolamento e de evitar as graves consequências para a saúde destas populações isoladas, em função da transmissão de doenças para as quais elas não possuem proteção natural, o que levou, no passado, à extinção de algumas etnias. Vale também notar que já houve sérios desentendimentos da Funai com o próprio MNTB, que mantinha famílias de missionários no Norte do país com a finalidade de estabelecer vínculos com as populações indígenas.

O argumento de que Ricardo Lopes não irá atuar no cargo como missionário, mas como antropólogo, não torna mais otimista a antecipação das posturas que poderão ser adotadas uma vez empossado, já que, para se orientar segundo a missão da Funai, e segundo as próprias normas brasileiras e convenções internacionais de que o Brasil é signatário, nomeadamente a Convenção da Diversidade Cultural e a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, ele terá de enfrentar suas próprias convicções, claramente expostas em sua dissertação de mestrado, apresentada na UNIFESP do ABC em 2015, para a qual utilizou dados coletados ao longo de seu trabalho evangelístico de indígenas.

Os sinais do Executivo quanto à política indigenista a ser adotada não são  nada promissores. Pelo contrário, rememoram as crenças dos primeiros colonizadores e evangelizadores do Brasil, segundo os quais os indígenas representavam seres selvagens e inferiores que precisavam ser “educados” à luz dos preceitos cristãos. A recente fala do presidente da república, em 23 de janeiro de 2020, é exemplar a este respeito: “Com toda a certeza, o índio mudou, tá evoluindo. Cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós”.

A questão que se coloca não é a justeza ou não dos preceitos cristãos, mas a violência representada pela imposição de valores civilizatórios aos diferentes, como já foi feito em séculos passados e continuado, ainda que com outros métodos, pelas ações missionárias, que facilitaram o alastramento de epidemias em comunidades indígenas. É neste sentido que Ricardo Dias Lopes representa um agravamento das ameaças que assombram os povos indígenas, as quais incluem a desconstituição de suas terras, já demarcadas em processo legal, e sua descaracterização por atividades minerárias.

O Direitos Já! Fórum Pela Democracia, reconhecendo que devem ser asseguradas às populações originários do Brasil condições para sua existência segundo seus próprios valores e cosmogonias, vem assim a público manifestar sua profunda preocupação com a agenda de ameaças do atual governo e sua solidariedade às lutas dos povos indígenas, visando à consolidação de seus direitos.

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