Pesquisadores do MIT desmentem OEA sobre fraude na eleição boliviana

“Nossa investigação não encontrou nenhuma razão para suspeitar de fraude”, afirma investigação publicada no The Washington Post

Evo Morales Bolivia

Na investigação abaixo, publicada no jornal The Washington Post, os pesquisadores John Curiel e Jack Williamns, do Laboratório de Ciência e Dados Eleitorais do MIT (Massachusetts Institute of Technology), põem por terra a tese de “fraude” levantada pelos golpistas bolivianos para não reconhecer a lisura das eleições de 20 de outubro de 2019 e, consequentemente, desconhecer a reeleição do presidente Evo Morales.

Como repórter da Hora do Povo, acompanhei longamente o rico processo e pude atestar sua lisura, resultado de uma democracia sustentada na ampla participação popular, bem como pude comprovar a desqualificada e tendenciosa ação dos representantes da Organização dos Estados Americanos (OEA) contra a democracia boliviana.

Divergindo do engodo da OEA, o documento dos pesquisadores lança luz sobre a trama para sustentar os golpistas, que perseguiram, sequestraram e mataram para entregar o patrimônio público nacional aos estrangeiros, arrochar salários e acabar com direitos. Uma conduta vexatória que explica a razão da autoproclamada Jeanine Áñez ter recebido o imediato apoio de Trump e Bolsonaro.

De forma simples e direta, ao atestar a validade da eleição de Evo Morales, a investigação acaba por ressaltar a importância da solidariedade internacional neste momento histórico, que deve ser materializada em um amplo acompanhamento a fim de assegurar que as eleições do próximo 3 de maio não sejam ainda mais contaminadas do que já estão pelo uso e abuso da repressão contra os democratas.

LEONARDO WEXELL SEVERO

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JOHN CURIEL E JACK WILLIAMNS

Enquanto a Bolívia se prepara para uma nova eleição em 3 de maio, o país permanece convulsionado logo após o golpe de Estado respaldado pelo exército em 10 de novembro contra o presidente Evo Morales.

Um rápido resumo: Evo pleiteou a vitória nas eleições de outubro, porém a oposição protestou pelo que chamou de fraude eleitoral. Um informe da Organização dos Estados Americanos (OEA), de 10 de novembro, apontou irregularidades eleitorais, que “levam a equipe de auditoria técnica a questionar a integridade dos resultados das eleições de 20 de outubro”.

Logo, a polícia se uniu aos protestos e Evo buscou asilo no México.

O governo instalado militarmente acusou o presidente de sedição e terrorismo. Um informe do monitoramento da União Europeia assinalou que uns 40 ex-funcionários eleitorais foram presos e enfrentam acusações de sedição e subversão, e 35 pessoas morreram no conflito pós-eleitoral. O candidato presidencial com mais votos, membro do partido Movimento ao Socialismo – Instrumento Político para a Soberania dos Povos (MAS-IPSP), de Evo Morales, recebeu uma intimação dos promotores por delitos não revelados, uma medida que alguns analistas suspeitam que tinha como objetivo mantê-lo fora do processo eleitoral.

Os meios de comunicação divulgaram em grande medida as acusações de fraude como se fosse um fato incontestável. E muitos comentaristas justificaram o golpe como resposta à “fraude eleitoral” do MAS-IPSP. No entanto, como especialistas na lisura eleitoral, encontramos que a evidência estatística não respalda a reclamação de fraude nas eleições de outubro.

A OEA AFIRMOU QUE HOUVE FRAUDE

O principal apoio às alegações de fraude foi o relatório da OEA. Os auditores da organização afirmaram ter encontrado evidências de fraude após uma paralisação na contagem preliminar, os resultados não vinculantes da noite eleitoral destinados a acompanhar o progresso antes da contagem oficial.

A Constituição Política boliviana requer que um candidato obtenha uma maioria eleitoral absoluta ou 40% dos votos, com uma vantagem de ao menos 10 pontos percentuais. Do contrário, ocorrerá um segundo turno. A contagem preliminar foi suspensa com 84% dos votos apurados, quando Evo Morales tinha uma vantagem de 7,87%. Ainda que a suspensão tenha sido coerente com o compromisso dos funcionários eleitorais de contar ao menos 80% dos votos preliminares na noite das eleições e continuar durante a recontagem oficial, a OEA rapidamente expressou a sua preocupação pela suspensão. Quando foi retomada a contagem preliminar, a margem de Evo Morales estava por cima do limite de 10%.

A OEA afirmou que suspender a contagem preliminar resultou numa tendência “altamente improvável” na margem a favor do MAS-IPSP quando a contagem foi retomada. A OEA informou “sua profunda preocupação e surpresa pela mudança drástica e difícil de explicar na tendência dos resultados preliminares”. Adotando uma nova abordagem para a análise de fraude, a OEA declarou que os grandes desvios nos dados relatados antes e depois da suspensão indicaria possíveis evidências de fraude.

Porém a análise estatística por detrás desta afirmação é problemático.

O informe da OEA se baseia na parte da evidência forense na que seus analistas dizem que há irregularidades, que incluem acusações de assinaturas falsificadas e alteração das folhas de contagem, uma estrutura deficiente de proteção e a parada na contagem preliminar dos votos. De maneira crucial, a OEA afirmou – em referência à paralisação na contagem preliminar de votos – que “uma irregularidade nessa escala é um fator determinante no resultado” a favor de Evo, que atuou como principal evidência quantitativa de suas acusações de “manipulação clara do sistema TREP (Transmissão de Resultados Eleitorais Preliminares)… que afetou os resultados tanto desse sistema como da contagem final “.

Não avaliamos se essas irregularidades apontam uma interferência deliberada ou se refletem os problemas de um sistema com resultados insuficientes, com funcionários eleitorais mal treinados. Em vez disso, comentamos a evidência estatística.

Como Evo Morales havia ultrapassado o limite de 40%, a questão-chave era se sua contagem de votos era 10% maior do que a de seu concorrente mais próximo. Caso contrário, seria forçado a disputar um segundo turno contra o seu concorrente mais próximo, o ex-presidente Carlos Mesa.

Nossos resultados foram diretos. Não parece haver uma diferença estatisticamente significativa na margem antes e depois da suspensão da votação preliminar. Em vez disso, é muito provável que Evo tenha superado a margem de dez pontos percentuais no primeiro turno.

“É muito provável que Evo tenha superado a margem de dez pontos percentuais no primeiro turno”

Como chegamos lá? A abordagem da OEA baseia-se em duas suposições: que a contagem não oficial reflete com precisão o voto continuamente medido, e que as preferências informadas dos eleitores não variam segundo a hora do dia. Se essas suposições forem verdadeiras, uma mudança na tendência de favorecer uma das partes ao longo do tempo pode indicar que tenha ocorrido fraude.

A OEA não cita nenhuma pesquisa anterior que demonstre que estas suposições se mantêm.

Há razões para acreditar que as preferências e relatórios dos eleitores podem variar ao longo do tempo: com pessoas trabalhando e votando mais tarde, por exemplo Áreas onde os eleitores empobrecidos podem ter caminhos mais longos e menos capacidade de contar e relatar totais rapidamente. É possível que esses fatores se apliquem na Bolívia, onde há graves divisões de infraestrutura e de renda entre as áreas urbana e rural.

Houve uma descontinuidade entre os votos contados antes e depois da contagem não oficial? Claro, descontinuidades podem ser evidências de adulteração. Na Rússia, por exemplo, uma acusação é que as autoridades eleitorais locais inflam urnas para cumprir metas pré-estabelecidas.

Se a constatação da OEA estivesse correta, esperaríamos ver o aumento da margem de votação de Evo logo após a contagem preliminar de votos ser interrompida, e a margem de escolha resultante sobre o seu concorrente mais próximo seria muito grande para ser explicada por seu desempenho antes de que se detivesse a contagem preliminar. Poderíamos esperar ver outras anomalias, como mudanças bruscas nos votos para Morales nos locais que antes estavam menos inclinados a votar nele.

O eixo x mostra a margem para Morales antes do corte dentro da contagem preliminar de 1.477 distritos que relataram dados antes e depois do corte, e o eixo é a sua margem final, conforme relatado dentro da contagem oficial. A alta correlação entre a contagem preliminar e os resultados da votação final sugere que não há irregularidades significativas na contagem eleitoral, ou a margem final de votação de Morales. (Jack Williams. Dados do Tribunal Superior Eleitoral, 2019.)

Não encontramos nenhuma evidência de nenhuma dessas anomalias, como mostra esta figura. Encontramos uma correlação de 0,946 entre a margem de Morales entre os resultados antes e depois do corte nos gabinetes contados antes e depois do corte. Há pouca diferença observável entre o fechamento nos resultados antes e depois que a contagem foi interrompida, sugerindo que não houve irregularidades significativas. Nós e outros acadêmicos do instituto contatamos com a OEA para que comentasse; a OEA não respondeu.

“Descobrimos que Evo Morales poderia esperar pelo menos uma vantagem de 10,49 pontos sobre seu concorrente mais próximo”

Também realizamos 1.000 simulações para ver se se poderia prever a diferença entre o voto em Evo e a recontagem do candidato ao segundo lugar, usando apenas os votos verificados antes da contagem preliminar ser interrompida. Em nossas simulações, descobrimos que Evo Morales poderia esperar pelo menos uma vantagem de 10,49 pontos sobre seu concorrente mais próximo, acima do limite de 10 pontos percentuais necessário para vencer diretamente. Mais uma vez, isso sugere que qualquer aumento na margem de Morales após a parada pode ser totalmente explicado pelos votos já contados.

NÃO HÁ APOIO ESTATÍSTICO PARA ALEGAÇÕES DE FRAUDE ELEITORAL

Não encontramos nenhuma evidência estatísticas de fraude: as tendências na contagem preliminar, a falta de um grande salto no apoio a Morales após a suspensão da apuração e o tamanho da margem de Evo nos parecem legítimos. Em geral, a análise estatística e as conclusões da OEA parecem profundamente defeituosas.

Pesquisas anteriores publicadas aqui em Monkey Cage apontam que as diferenças econômicas e raciais dificultam a verificação do registro de eleitores nos Estados Unidos, resultando em maior uso de cédulas provisórias entre democratas e maior apoio aos candidatos democratas entre os votos contados após o dia da eleição. De acordo com os critérios da OEA para fraude, é possível que as eleições americanas nas quais os votos contados posteriormente tendem a se inclinar para os democratas também podem ser classificadas como fraudulentas. É claro que a fraude eleitoral é um problema sério, mas confiar em evidências não verificadas como evidência de fraude é uma séria ameaça para qualquer democracia.