Antes do coronavírus: Por que o Brasil escolheu crescer lentamente

Completamos três anos de crescimento entre 1,1% e 1,3%, na mais lenta recuperação após uma grande recessão em nossa história

O choque econômico vindo da China continua a fazer governos e mercados rebaixarem suas projeções de crescimento para 2020. Por aqui não será diferente, mas é bom lembrar o que aconteceu antes do coronavírus.

Contrariamente ao discurso oficial, o IBGE revelou que nossa economia não estava acelerando no fim do ano passado. Segundo a velocidade do PIB “na margem”, houve crescimento de 0,5% no último trimestre de 2019, ritmo praticamente igual ao verificado no segundo e terceiros trimestres.

Considerando o ano como um todo, o crescimento de 2019 ficou em 1,1%, ligeiramente abaixo do 1,3% de 2018. Completamos três anos de crescimento entre 1,1% e 1,3%, na mais lenta recuperação após uma grande recessão em nossa história.

Alguns leitores talvez se lembrem de que, no início de 2017 – quando Temer resolveu antecipar a consolidação fiscal e fazer megacontingenciamento –, alertei para o fato de que a política econômica colocava em risco a recuperação e não era bom concentrar tudo na redução da Selic. Alguns analistas chapa-branca tiveram chilique com meu alerta naquela época, que, infelizmente, se provou correto.

Por que o Brasil cresce tão lentamente desde 2017?

Por vários motivos, mas destaco três: 1) a recessão anterior foi grande e levaria tempo para se recuperar (o que ajuda a entender 2017); 2) houve novos choques externos adversos (o que ajuda a entender 2018); e 3) os governos de Temer e Bolsonaro resolveram atrasar a recuperação em prol da redução da meta de inflação e da consolidação fiscal mais rápida (o que ajuda a entender todo o período).

Lembrando, o BC de Ilan adiou bastante o corte da Selic em 2016 e voltou ao mesmo erro na virada de 2018 para 2019. O BC de Campos insistiu no erro no início de 2019, mantendo a Selic em 6,5% até o fim de julho do ano passado, mesmo diante da queda generalizada dos núcleos de inflação. A Selic só começou a cair quando entramos em risco de recessão.

Na política fiscal, o time Temer resolveu antecipar o ajuste cortando mais despesas do que o necessário para cumprir o teto de gasto. Porém, quando o risco de recessão aumentou, o governo atenuou o aperto (ainda bem), liberando recursos retidos e injetando dinheiro do FGTS na economia.

A prática foi repetida pelo time Bolsonaro, que não por acaso tem o mesmo secretário do Tesouro de Temer, filiado ao PSDB e tucano de alta plumagem. Houve grande contingenciamento de gastos no começo de 2019, seguido de liberação no fim do ano, e adivinhe: liberação de FGTS!

Apesar de parecer neutra, a “sanfona fiscal” de 2017-19 acabou prejudicando vários programas sociais e inviabilizando investimentos públicos, que requerem previsibilidade orçamentária para serem bem executados.

Diante desse contexto, é natural que o Congresso tente tirar a execução orçamentária das mãos do time “Temeraro”, mas isso não é a solução ideal para a questão. Seria melhor adotar regra fiscal mais racional do que o atual teto de gasto, com gestores menos ideológicos, mas levará algum tempo.

E, fora da política econômica, ainda sofremos os efeitos econômicos da operação Lava Jato, que destruiu empregos e empresas em nome do combate seletivo à corrupção. Passados quase seis anos da primeira ação “morolista”, ainda estamos presos na guerra de egos da cultura da auditoria, com autoridades discutindo quem pode ou não destravar projetos de investimentos necessários ao país.

Escolhemos crescer mais lentamente, antes do coronavírus – que agora tende a diminuir a expectativa de crescimento no Brasil e no mundo em 2020.

Publicado originalmente na Folha de S.Paulo

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