Celso Amorim diz que Trump deseja “colocar o Brasil debaixo do braço”

Para ex-ministro da Defesa, Donald Trump quer manter Jair Bolsonaro submisso e não permitirá desenvolvimento estratégico do Brasil

(Foto: Antônio Araújo/Agência Câmara)

Em entrevista ao Brasil de Fato, Celso Amorim, ex-ministro de Relações Exteriores e da Defesa nos governos Lula e Dilma, disse que o Brasil não será beneficiado com o acordo militar com os Estados Unidos com o objetivo de ampliar a entrada do Brasil no mercado de defesa estadunidense, o maior do mundo.

Segundo a avaliação do diplomata, Trump (Donald, presidente dos EUA) deseja “colocar o Brasil debaixo do braço”, ou seja, manter Jair Bolsonaro completamente alinhado à política estadunidense com a finalidade de privilegiar o país norte-americano.

“E se para botar o Brasil debaixo do braço for necessário fazer comprinhas ou vender algumas coisas de segunda mão, farão. Mas não podemos ter ilusões sobre isso”, analisa Amorim.

A partir do acordo conhecido como RDT&E (sigla inglesa para pesquisa, desenvolvimento, testes e avaliação), os países poderão desenvolver cooperação militar, parcerias na área da Defesa, além de compra de produtos como armamentos e equipamentos.

“Não vamos ganhar nada. Vamos, talvez, ter o direito de comprar mais ferro velho deles, como ocorreu no passado. Eventualmente, uma ou outra coisa menor. Mas eles não nos deixarão ter nada de estratégico”, avalia o diplomata.

Assinado por Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, e por Craig Faller, almirante da Marinha dos EUA, o tratado bilateral tem sido considerado o principal resultado da designação do Brasil como aliado privilegiado extra da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar ocidental, status concedido ao país em março do ano passado, durante visita do presidente brasileiro a Washington.

Escalada contra Venezuela

Durante o encontro entre os mandatários no final de semana, representantes do governo Trump reforçaram a escalada de pressão contra a Venezuela e endossaram contar com o apoio de Bolsonaro, que tem respondido às expectativas. Dias antes à ida aos Estados Unidos, o governo do Brasil retirou quatro funcionários de postos diplomáticos no país de Nicolás Maduro.

Com relação a um possível conflito com a Venezuela, o diplomata diz que já viu tanta coisa que achava que não podia acontecer, acontecendo, que não posso dizer a você que não.

“Eu espero que não ocorra isso, agora, realmente, quando se tira diplomatas e até os cônsules, que não possuem relações diplomáticas, e sim para a proteção dos brasileiros que vivem lá, e seguramente tem muitos brasileiros que continuam vivendo lá apesar das relações estarem afetadas na fronteira. Se se retira até os cônsules, eu não sei… Parece preparação para uma ação militar. Mas espero que na própria área militar, como demonstraram no começo do ano, haja bom senso e não ocorra nada”, explicou.

Brasil na órbita

Segundo ele, o tratado é para colocar o Brasil realmente na órbita norte-americana em matéria de defesa.

Com isso, está se afastando de uma ótica que vinha sendo seguida com muita força no governo Lula e Dilma, e mesmo antes, que era ter uma visão multilateral do seu relacionamento de defesa.

“Nós tínhamos, por exemplo, uma relação muito privilegiada com a França, inclusive com o submarino nuclear, que é uma coisa muito importante. Os caças Gripen com a Suécia, que têm, inclusive, o código-fonte de armas, que seria transferido para o Brasil. Chegamos até a considerar também compra de artilharias antiaérea da Rússia, sem prejuízo de ter uma relação intensa com os Estados Unidos, como sempre tivemos”, explicou.

Na sua opinião, Trump realmente está dando uma atenção ao Brasil. “Talvez os europeus resistam à questão da OCDE [entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] por causa da Amazônia, por outras questões, mas acho que o Trump vai querer que o Brasil entre”.

Celso Amorim diz que no varejo o Brasil não leva nada. “Até as próprias notícias da Reuters dizem que em relação às tarifas de aço e ferro, outras coisas que estão dependentes de um possível aumento de tarifa norte-americana alegadamente em função do dólar baixo no Brasil, que afetaria a competitividade da agricultura norte-americana, não estamos levando nada. Nós estamos cedendo e ganhando muito pouco”.

O Brasil não vai ganhar nada. “Vamos, talvez, ter o direito de comprar mais ferro velho deles, como ocorreu no passado. Eventualmente uma ou outra coisa menor. Mas eles não nos deixarão ter nada de estratégico”, diz.

Ele citou como exemplo o desenvolvimento da energia nuclear. “Isso é uma coisa sabida, a pressão que eles fizeram para o Brasil entrar no tratado de não proliferação ou mesmo antes. Como não vão nos deixar de ter um submarino nuclear ou uma viação de caça de primeira categoria”.

“Agora, ser um país subordinado, um país que pode atuar como procuração deles, para alguma ação que não queiram tomar para não arriscar os próprios soldados, pode ser que aconteça. Se há ganho nisso, eu não vejo”, criticou.

Relacionamento

O diplomata defendeu que o Brasil tenha uma boa relação com os Estados Unidos. “O ex-presidente Lula teve relação de igual para igual. A presidenta Dilma, apesar desse evento infeliz que foi a espionagem, retornou lá, foi aos Estados Unidos”.

“As relações sempre foram boas e de muito respeito, inclusive em relação à Venezuela. Mas era uma relação de diálogo, hoje é uma relação de subordinação. Hoje eles definem a política e nós executamos, essa é a diferença”, disse.

Brasil de Fato

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