Da invisibilidade social à conquista da cidadania

A história deste garoto de 15 anos, que só agora conseguiu se descobriu cidadão, não é diferente da de muitos pequenos maranhenses que vivem na periferia de São Luís e em outras centenas de cidades do interior do Estado.

Joelyson sonha em ser jogador de futebol, sem se dar conta que aos olhos do Estado sequer existia

Filho da empregada doméstica Marinete Monteiro e do desempregado Werbeth Santos Ribeiro, Joelyson mora com a família e a avó Jucirene Monteiro, no bairro Santa Rosa, na capital maranhense. Sonhador, convivia com a incerteza de que um dia pudesse realizar o desejo de ser jogador de futebol, pois ele sequer existia para o Estado. Fazia parte de uma triste estatística ainda muito comum em nosso País: a de pessoas sem registro civil de nascimento.

Ao nascer, na Maternidade Maria do Amparo, no bairro do Anil, em São Luís, a mãe recebeu da unidade de saúde a Declaração de Nascido Vivo, um documento que garante ao pai ou à mãe o direito de poder fazer o registro civil da criança em qualquer cartório.

O pai, após 4 meses de nascimento da criança, procurou o cartório para fazer o registro. “Estava sem tempo e não sabia que o documento não ia prestar para fazer o registro”, declarou. A declaração recebida na maternidade, com o passar dos dias, ficou ilegível e o cartório se negou a fazer o registro de nascimento do garoto. De volta à maternidade, tendo perguntado se poderia receber uma segunda via do documento, o pai obteve também resposta negativa; não havia como emitir um novo documento. Voltou para casa desolado e por desinformação imaginou que aquele “documento amarelo” poderia servir para que a criança tivesse acesso aos serviços de saúde e até poder se matricular em uma escola.

Motorista da Sedihpop Cristiano Nascimento, o pai Werberth e a mãe Marinete, a coordenadora de Registros Civis da Sedihpop, Graça Moreira, a avó Jucirene e o assessor da Sedihpop Luiz França II

O momento de maior apreensão foi quando Joelyson, já aos 5 anos de idade, precisou de atendimento na rede pública. “A sorte foi que o pessoal do hospital atendeu, mas disseram que seria só daquela vez”, disse a mãe. Novamente tentaram fazer o registro, já em outro cartório, no entanto, mais uma vez, lhes foi negado o direito de registrarem a criança.

“Infelizmente, ainda há muita desinformação tanto junto às próprias famílias, quanto em relação aos profissionais de diversas áreas. Vários direitos foram negados ao Joelyson de forma indevida, pois mesmo sem o registro ele poderia ter tido acesso”, lamenta a coordenadora estadual de Promoção do Registro Civil de Nascimento da Sedihpop, Graça Moreira.

Assim, Joelyson foi crescendo e em sua cabeça apenas a preocupação de se tornar jogador de futebol, sua grande paixão. De vez em quando, ele cobrava dos pais e perguntava: “Porque eu não vou para a escola? Porque eu não tenho um documento de identidade?”

Recuperando o tempo perdido

Joelyson recebe das mãos da diretora da Escola Leonel Brizola, Solange Araújo, seu primeiro caderno escolar, sob o olhar feliz da mãe

Essas perguntas começaram a ser respondidas, assim que o motorista da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular, Cristiano do Nascimento, tomou conhecimento da gravidade do caso. Sensibilizado com o problema, ele não pensou duas vezes e acionou a equipe da Sedihpop, por meio da Adjunta dos Direitos das Crianças e do Adolescentes. 

Com base na denúncia feita por Cristiano, a coordenadora estadual de Promoção do Registro Civil de Nascimento, Graça Moreira, imediatamente deu início aos procedimentos que resultaram no registro de nascimento do adolescente. 

“O processo para a feitura do registro de nascimento pode ser muito demorado quando é feito assim, de forma tardia, pois é preciso haver um trabalho de busca em todos os cartórios para poder constatar que a pessoa, de fato, não tem outro registro, e isso pode levar até um ano”, contou a coordenadora. 

“No entanto, para nossa alegria e surpresa, no caso do Joelyson, no dia que seria apenas a entrevista, todos os cartórios começaram a enviar suas certidões negativas, por conta do grande empenho da Corregedoria Geral de Justiça para resolver o problema. Dessa forma, a certidão de nascimento dele pôde ser expedida neste mesmo dia”, destacou.

Enfim, cidadão

“O dia que recebemos o documento representa para meu neto a sua nova data de nascimento. Com esse papel ele pode estudar, fazer um curso e ser quem ele quiser. Eu estou muito feliz e realizada e agradeço demais ao Governo por ter enxergado a gente”, disse a avó Maria Jucirene Monteiro.

Agora, Joelyson já está matriculado no programa de Educação para Jovens e Adultos (EJA), da Unidade de Ensino Básico Governador Leonel Brizola, escola da rede municipal de São Luís, localizada no bairro Vila Luizão. “Aqui, ele será bem acolhido, receberá todo o material didático e dentro de pouco mais de 4 anos poderá concluir o seu currículo escolar”, explicou a diretora Solange Araújo.

O retrato da invisibilidade social no Brasil

Atualmente, nem mesmo o IBGE tem como responder quatos brasileiros não possuem sequer o registro civil de nascimento. Estima-se, com base no censo de 2010, que este número chegue à casa de 600 mil brasileiros.

Sem documentos, uma pessoa não pode acessar nenhum benefício social, votar, fazer alistamento militar e se cadastrar no Sistema Único de Saúde, o SUS.

Para diminuir o índice de sub-registro e os casos de registros tardios no Maranhão, a Sedihpop mantém uma série de ações de promoção desse direito, como a articulação da instalação de Postos de Registro Civil em hospitais e maternidades com grande número de partos, fazendo com que as crianças já deixem a unidade de saúde com sua certidão em mãos. 

Para a secretária adjunta dos Direitos da Criança e do Adolescente da Sedihpop, Lissandra Leite, a articulação entre as diversas políticas públicas é muito importante para garantir o direito de todos a esse primeiro documento de cidadania. “Trabalhamos para que casos como o do Joelyson deixem de existir. Articulamos com os cartórios, com o Sistema de Justiça e com as Prefeituras para a implantação dos postos e orientamos os profissionais da saúde e assistência social sobre como devem apoiar a população na obtenção da sua documentação civil básica. Temos certeza de que, com o empenho de todos, teremos mais Joelysons com direitos assegurados”, destaca.

O Governo do Maranhão mantém 43 postos de registro civil espalhados em todas as regiões do Estado. Eles funcionam em hospitais/maternidades conveniados ao SUS e que realizem no mínimo 300 partos/ano.

A secretária ressalta também que, mesmo sem a certidão de nascimento, toda criança e adolescente tem direito de ser atendido na rede pública de saúde e ser inserida na escola. “O cidadão tem papel importante no combate a este tipo de injustiça social. Ao tomar conhecimento de que alguma criança não possui registro civil de nascimento, deve procurar o Conselho Tutelar ou alguma unidade da Defensoria Pública do Estado, caso não consiga resolver o problema diretamente com o cartório”. 

Ela explica, ainda, que em caso de ter sido negado o acesso a qualquer direito pela ausência da certidão, pode–se também registrar o caso junto à Ouvidoria de Direitos Humanos pelo número (98) 9910-44558 ou através do e-mail [email protected], para que as autoridades relacionadas sejam provocadas a solucionar o problema.

Fonte: Agência Maranhão de Todos Nós

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