Coronavírus: estratégia de Bolsonaro subestima crise e tende ao fiasco

Brasil está num momento ainda relativamente precoce da epidemia, com 200 casos, mas já registra a transmissão comunitária do vírus

Sob suspeita de Covid, Bolsonaro cumprimentou manifestantes no dia 15 de março - Reprodução

Após dois meses e meio de epidemia do novo coronavírus, só um grupo seleto de países conseguiu reverter ou evitar o crescimento exponencial de casos. Quase todos os bons exemplos estão na Ásia e implantaram estratégias que o Brasil não adotou ainda – em especial a testagem maciça de casos e medidas draconianas de isolamento social.

Casos de sucesso em evitar um aumento súbito no número de infectados são centros urbanos mais isolados, como Cingapura ou Hong Kong. Mas mesmo países inteiros que chegaram a perder o controle da epidemia – como a Coreia do Sul – já conseguiram reverter a tendência explosiva que vinha se desenhando na epidemia.

O Brasil está num momento ainda relativamente precoce da epidemia, com 200 casos, mas já registra a transmissão comunitária do vírus. Segundo especialistas, ainda é possível tentar reverter a tendência mais nefasta de expansão, mas com medidas de isolamento tímidas será difícil atingir resultados. Exemplos mais preocupantes do que pode acontecer estão na Itália e no Irã, onde a capacidade de acomodação de pacientes graves não deu conta da epidemia – mas a Espanha e a Alemanha também estão vendo uma tendência preocupante agora.

Segundo Paolo Zanotto, virologista do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, já é possível identificar os fatores que resultaram na desaceleração da epidemia. “Um é o distanciamento social, independentemente de se atingir isso de maneira impositiva ou advinda do entendimento das pessoas”, diz o cientista. “A segunda coisa é a testagem maciça. Isso evita que a transmissão escape do controle. Quando você tem um paciente que testou positivo – e todos os contatos dele são avaliados por PCR (diagnóstico genético) –, aqueles que foram positivos imediatamente são identificados, e assim vai se fazendo com os contatos dos contatos.

Cientistas questionam se o Brasil tem condições de implantar medidas como as asiáticas. A China – onde emergiu o patógeno – isolou em poucas semanas a província de Hubei, epicentro do surto, restringindo a circulação de 40 milhões de pessoas. O governo recorreu a medidas mais radicais quando a Covid-19 se expandiu, como controlar a circulação de pessoas por meio de um software instalado em smartphones, que mede a temperatura do indivíduo e determina se ele deve ficar em quarentena.

A Coreia do Sul adotou uma campanha em massa de exames de diagnóstico — foram mais de 222 mil até 11 de março. Para isso, usou detetives médicos e colocou 29 mil pessoas em autoisolamento, monitoradas à distância. O governo também usou câmeras de vigilância para monitorar por onde passaram os contaminados.

O Japão suspendeu aulas e aprovou um pacote de emergência de US$ 2,5 bilhões para minimizar o impacto do coronavírus na economia. Os especialistas decidem quem precisa fazer os exames, priorizando idosos, pessoas com pneumonia ou que tiveram em área de risco. Mais de 10 mil pessoas já passaram por testes.

Autoridades brasileiras começaram a adotar mais medidas de isolamento social nesta semana, como os estados de São Paulo e Rio, que já planejaram suspensão de aulas na rede pública. O presidente Jair Bolsonaro, porém, não abriu mão de estimular manifestantes a comparecerem a protestos públicos e receber apoiadores na entrada do Palácio do Planalto em Brasília.

A testagem em grande escala, recomendada pela missão da OMS (Organização Mundial da Saúde), que analisou o sucesso tardio da China, encontra um número menor de apoiadores no País. A entidade recomenda rastreamento “meticuloso” de contatos de todos os doentes diagnosticados para aplicação dos testes. Mas o coordenador do centro de resposta ao coronavírus de São Paulo, David Uip, é contra a testagem em massa de pessoas sem sintomas.

A Sociedade Brasileira de Infectologia também enxerga o risco de esgotamento de insumos, porque os kits de diagnóstico PCR são um recurso finito e caro. Ricardo Venâncio, coordenador de Vigilância em Saúde da Fiocruz, afirma que o Brasil precisa mesmo levar em conta a escassez de recursos em seu planejamento, mas defende critérios de testagem menos restritivos que os de hoje.

“A testagem em larga escala ajuda, indiscutivelmente – e acredito que deveríamos apostar nessa testagem. Mas ela, por si só, não vai resolver o problema aqui”, afirma Venâncio. Para ele, problemas mais simples podem surpreender: “Como recomendar uso de álcool gel para milhões de brasileiros que estão desempregados?”.

Independentemente de o Brasil querer (ou poder) seguir o modelo mais rigoroso que países asiáticos estão adotando para frear e monitorar a epidemia, a análise de dados está deixando preocupados os cientistas que olham exclusivamente para os números da epidemia no Brasil. É o caso do físico Sílvio Ferreira, que trabalha com simulações matemáticas na Universidade Federal de Viçosa (UFV) e vem analisando os números da Covid-19 desde o início.

Segundo ele, esperar a situação se agravar para agir pode ser fatal. “Quando você toma medidas drásticas hoje, você começa a ver resultados só depois de duas a três semanas”, diz o cientista. A seu ver, é preciso cautela em comparar países em estágios diferentes da epidemia, mas a curva de crescimento dos casos no Brasil se assemelha mais à da Espanha – onde a epidemia explodiu na última semana – do que com a do Japão, que teve a epidemia semeada há mais tempo, mas tem muito menos casos.

Para Zanotto, da USP, autoridades de saúde no País precisam repensar suas convicções pessoais na hora de escolher qual modelo seguir. “O que acho ou deixo de achar agora não interessa. O que interessa são os dados”, diz. “Precisamos ver os dados, analisar quais são as curvas de crescimento que conseguiram se achatar e descobrir o que eles fizeram nesses países.

Com informações do Globo

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