Pronunciamento de Bolsonaro sobre o coronavírus provoca repúdio geral

Durante a fala irresponsável do presidente em cadeia nacional de rádio e TV, inúmeras cidades do Brasil voltaram a ter “panelaços” – pelo oitavo dia seguido

No dia em que a pandemia do coronavírus totalizou 2.201 casos confirmados e 46 mortes no País, Jair Bolsonaro fez um dos mais escandalosos e irresponsáveis discursos de um presidente brasileiro. Não por acaso, nos cinco minutos de pronunciamento presidencial em cadeia nacional de rádio e TV nesta terça-feira (24), inúmeras cidades do Brasil voltaram a ter “panelaços” – pelo oitavo dia seguido. O repúdio à sua fala nesta noite foi geral.

“É estarrecedor!”, resumiu a presidenta do PCdoB e vice-goveradora de Pernambuco, Luciana Santos. “Depois de um dia inteiro de medidas que pareciam demonstrar algum tipo de racionalidade para lidar com a pandemia, o presidente Bolsonaro, em pronunciamento, persiste num caminho que ameaça a vida dos homens e mulheres do nosso país. É preciso continuar firme com as medidas implantadas pelos governadores do Brasil, e que têm apresentado resultados positivos, em todo o mundo, na prevenção ao coronavírus e na garantia do emprego e da renda.

“Bolsonaro ultrapassou todos os limites”, expressou a ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), candidata a vice-presidenta nas eleições 2018. “Ao chamar as pessoas a voltarem à vida normal, (o presidente) está empurrando os brasileiros para a morte. Considerando a quantidade de pessoas que pode segui-lo, está promovendo um genocídio.”

Na TV, Bolsonaro minimizou os riscos de contaminação da doença, criticou o confinamento em massa, defendeu a circulação normal do transporte público e criticou o fechamento temporário de escolas, comércios e fronteiras. De forma demagógica, tentando responsabilizar governadores e prefeitos pelos impactos econômicos decorrentes da necessária quarentena, o presidente falou em “histeria” e blefou com a população.

“Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e confinamento em massa”, tergiversou Bolsonaro, minimizando os riscos à saúde e à própria vida dos brasileiros. “Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade”.

O presidente declarou que a grande mídia errou ao comparar o Brasil à Itália. “Grande parte dos meios de comunicação foram na contramão, espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande número de vítimas na Itália, um país com grande número de idosos e com clima totalmente diferente do nosso.” As estatísticas oficiais – ou seja, do próprio governo federal – indicam que a curva de expansão do coronavírus não apenas se assemelha ao da Itália. Em alguns segmentos, o ritmo de avanço da pandemia entre brasileiros é maior do que entre italianos.  

A fala presidencial, no entanto, não apresentou nenhuma nova medida para enfrentar os efeitos perversos do coronavírus. Ao defender a reabertura de escolas, Bolsonaro alegou, ardilosamente, que apenas pessoas acima dos 60 anos de idade estão no grupo de risco e insinuou não haver risco de morte por Covid-19 para quem tem menos de 40 anos. A informação é falsa. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), há registro, sim, de morte de crianças e jovens, em diversos países, por conta da Covid-19.

Sem apresentar evidências, o presidente afirmou que 90% da população não terá qualquer manifestação da doença, caso se contamine. Só omitiu que, mesmo se apenas 10% da população brasileira for atingida, esse contingente equivale a mais de 2,1 milhões de pessoas. O SUS (Sistema Único de Saúde), sem condições de enfrentar essa demanda, ainda que dispersa por quatro ou cinco meses, teria superlotação e crise.

A fala presidencial ainda teve ataques velados ao médico Dráuzio Varella, colaborador da TV Globo. Recorrendo à fake news que descontextualiza uma fala de Dráuzio, Bolsonaro afirmou que, por ter “histórico de atleta”, não desenvolveria sintomas da Covid-19, mas, sim, “uma gripezinha”, “um “resfriadinho”.  

Repercussão

O pronunciamento de Bolsonaro foi duramente rechaçado por autoridades de todo o Brasil. “Pronunciamento de hoje mostra que há poucas esperanças de que Bolsonaro possa exercer com responsabilidade e eficiência a Presidência da República. Os danos são imprevisíveis e gravíssimos”, tuitou o governador Flávio Dino (PCdoB-MA).

“O País precisa de uma liderança séria, responsável e comprometida com a vida e a saúde da sua população. Consideramos grave a posição externada pelo presidente da República”, disse o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O líder da Minoria no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que Bolsonaro “vai passar para a história como a primeira vez em que um chefe de Estado usou a cadeia de rádio e TV para espalhar mentiras – mentiras que podem levar as pessoas à morte”.

Para a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), ex-líder da Minoria na Câmara, a mensagem presidencial foi “criminosa” e contraditória com as próprias ações do governo Bolsonaro. “E olha que coisa absurda! O Ministério da Saúde segue corretamente as normas mundiais da OMS, mas o presidente criminoso vai para cadeia de rádio e TV defender fim de quarentena”, registrou Jandira, nas redes.

Na mesma linha foi o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP): “Nunca vi tamanha arrogância e irresponsabilidade. Bolsonaro não consegue, por não ter discernimento nem autoridade moral, conduzir nenhum esforço de combate ao coronavírus”, tuitou. De acordo com Orlando, além de ser “um estorvo para o Brasil”, o presidente “não foi apenas oligofrênico em seu disparatado pronunciamento – ele também cometeu crime ao chamar as pessoas a voltarem à vida normal”.

À Folha de S.Paulo, um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) declarou que o presidente da República, com sua postura “errática”, “dobra a aposta ao propor o fim de medidas restritivas, indo na contramão do mundo”.

Já Felipe Santa Cruz, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), apelou aos brasileiros que ignorem as falácias bolsonaristas: “Entre a ignorância e a ciência, não hesite. Não quebre a quarentena por conta deste que será reconhecido como um dos pronunciamentos políticos mais desonestos da história.”

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