De Olho no Mundo, por Ana Prestes

As Notas da cientista política e especialista em relações internacionais, Ana Prestes, desta quarta-feira (1º/4), aponta que o número de casos de infectados por coronavírus nos EUA ultrapassa o da China, sendo o dobro do número quando o país asiático atingiu o ápice da epidemia. Argentina, Uruguai, Venezuela, Rússia, também são destaques das Notas.

Foto: Reuters/Al Drago

Infelizmente não é uma brincadeira pelo dia da mentira. O quarto mês de 2020 começa hoje, primeiro de abril, em meio a uma pandemia global provocada pelo novo coronavírus, denominado Covid19, e que já atingiu 874 mil pessoas e vitimou 43 mil em todo o globo. Ao contrário de janeiro e fevereiro, quando a China liderava o número de casos, hoje os EUA estão no topo dos países afetados, com 189.633 casos, o dobro da China no auge do surto.

A projeção da Casa Branca, nos EUA, é de que pode haver de 100 mil a 240 mil mortes nos EUA provocadas pelo coronavírus, mesmo com as regras de distanciamento social sendo obedecidas. Somente ontem (31) 800 pessoas faleceram. É o maior número de mortes por dia até aqui. Metade dos óbitos são no estado de Nova Iorque, epicentro da epidemia no país. Trump disse: “eu quero que cada americano esteja preparado para dias difíceis. Nós vamos passar por duas semanas muito brutais”.

Um editorial publicado ontem pelo jornal inglês The Guardian diz que Jair Bolsonaro é “um perigo para os brasileiros”. O jornal é um dos mais lidos do mundo e está prestes a completar dois séculos de existência. Segundo o editorial, “muitos governos terão que responder por seus erros e complacência quando a pandemia terminar. O desempenho de Bolsonaro está em uma categoria única”. Outros jornais e diversos veículos da imprensa internacional retratam o presidente brasileiro como um caso único de irresponsabilidade perante à pandemia.

A OMS, com tantas coisas para fazer em meio a uma pandemia que já atinge quase um milhão de pessoas em todo o mundo e já matou mais de quarenta mil, precisou parar uns minutinhos para reiterar as distorções feitas por Bolsonaro da fala de Tedros Adhanom Ghebreyesus, seu diretor geral. O presidente brasileiro, visto em todo o mundo como o chefe de Estado mais irresponsável perante à crise, atribuiu a Tedros uma fala contrária ao isolamento social, quando na verdade, o diretor afirmou que o isolamento social deve ser combinado com o apoio econômico por parte dos Estados para os setores mais vulneráveis da sociedade, especialmente os que se encontram na atividade econômica informal.

O Ministério Público venezuelano convocou Juan Guaidó para uma audiência pública amanhã (2) no âmbito de uma investigação por tentativas de golpe de Estado e magnicídio contra o presidente Nicolas Maduro. Nesse mesmo dia, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, deve apresentar nos EUA um plano para a formação de um governo de transição na Venezuela. O governo americano está chantageando a Venezuela que neste momento precisa de apoio financeiros para enfrentar a pandemia da Covid19. Alegam que suspenderão as sanções ao país caso Maduro abra mão do poder e igualmente Guiadó abra mão momentaneamente de seu poder autoproclamado e o país fique a cargo de um conselho de cinco membros eleito pela assembleia nacional que governaria o país até novas eleições presidenciais e parlamentares a serem realizadas no final de 2020. A proposta vem na sequencia da procuradoria geral dos EUA ter denunciado o presidente Maduro e mais 12 membros do governo venezuelano por narcotráfico e ter estabelecido prêmios de 15 milhões por sua prisão e 10 milhões pela prisão dos demais denunciados. Vem também na sequencia do desbaratamento de um plano de magnicídio revelado por um ex-general das forças armadas bolivarianas da Venezuela e descoberta de armas e equipamentos de segurança na fronteira com a Colômbia.

O presidente Alberto Fernández, da Argentina, tem sido reconhecido mundialmente como um dos chefes de estado sulamericanos que melhor lida com a crise do coronavírus. Sua popularidade chegou aos 80% na condução das medidas contra a pandemia e a adesão de todo o país às medidas salta aos olhos. Houve uma trégua política notória e todos os setores se uniram, assim como todas as esferas administrativas. Mas como nem tudo é só calmaria em uma Argentina que segue arrasada economicamente pela política neoliberal de Macri e está em seu terceiro ano de recessão econômica, uma nova polêmica surgiu quando o presidente disse a empresários que era chegada a hora de “lucrar menos”. Ao dizer isso, Fernandez estava reagindo a grandes industriais que demitiram em massa, como a siderúrgica Techint, pelo twitter ele chamou os industriais de “miseráveis” e que estes se “esqueciam de quem trabalhava para eles”. A reação da classe média e alta foi de fazer protestos nas redes e nas janelas para exigir que os políticos em geral reduzam seus salários para dar o exemplo. A Argentina é um país de cultura de rua e de muita militância política. Isso se reflete também em tempos de quarentena nas janelas, sacadas e varandas. Para se ter um exemplo. Na última segunda-feira houve às 18h um “barulhaço” contra o feminicídio e a violência doméstica, às 20h30 aplausos para os profissionais da saúde e na sequencia às 21h30 um panelaço contra os políticos, para que reduzam seus salários.

No Uruguai também circula essa ideia de redução de 30% dos salários dos três poderes, executivo, legislativo e judiciário, durante quatro meses. A proposta é puxada pelo próprio presidente recém empossado Luis Alberto Lacalle Pou.

O novo embaixador dos EUA chegou ao Brasil. Trata-se de Todd Chapman, historiador e diplomata de carreira, e que está indicado por Trump desde outubro do ano passado. Foi confirmado pelo Senado americano em fevereiro deste ano. Ele já havia servido no Brasil como vice-chefe de Missão (2011). Viveu em SP na infância e fala português fluentemente. A própria Embaixada divulgou as palavras do novo embaixador: “Meu foco imediato será ajudar o governo brasileiro, o povo brasileiro e os 260 mil norte-americanos residentes no Brasil em sua resposta à emergência de saúde causada pela covid-19. Há muito o que fazer e estou ansioso para começar a trabalhar”. Anteriormente ele estava no Equador, no período de 2016-2019, justamente o período em que as forças políticas ligadas ao ex-presidente Rafael Correa foram afastadas do poder, com a traição de Lenin Moreno, e houve uma guinada pró-EUA no país. Há relatos dos equatorianos de pressões sobre a diplomacia do país para votos nos organismos multilaterais que favorecessem os interesses dos EUA, até mesmo em questões como incentivo ao aleitamento materno que prejudicam a indústria alimentícia americana de produtos substitutos do leite materno.

Enquanto por aqui nas Américas, os EUA se aproveitam da crise do coronavírus para avançar sobre a Venezuela, na Europa o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, desde segunda (30) tem direito a governar por decretos por tempo ilimitado. Foi aprovada pelo parlamento húngaro uma lei que lhe dá esse direito usando a pandemia como justificativa. Na prática foi um golpe contra a democracia “com supremo com tudo”. Parlamento e Judiciário apoiaram. A Hungria é até agora o país europeu menos atingido pelo coronavírus, com 525 casos e 20 mortes. Alguns cientistas políticos tem usado o termo “autocracia eleitoral” para designar o status da Hungria. Na nova lei que dá super poderes a Orbán está prevista a prisão de até cinco anos para quem difundir informações que o governo considere incorretas sobre a pandemia e oito anos de prisão para quem desrespeitar a quarentena. Ontem (31) a presidente da comissão europeia, Ursula von der Leyen, fez um alerta, sem nominar a Hungria, que a luta contra o coronavirus não pode se tornar uma luta contra a democracia. A líder também defendeu a liberdade de imprensa.

Continua a disputa no seio da União Europeia a respeito dos “coronabonds”, espécie de bônus para um endividamento comum de toda a comunidade enquanto investe recursos para superar a pandemia do coronavírus. A Alemanha segue sendo o país mais contrário à iniciativa. França, Espanha e Itália são os mais interessados nos bônus. Angela Merkel insiste em lidar com a crise através das ferramentas financeiras já existentes na zona do euro, como o chamado mecanismo de estabilidade europeu.

Enquanto os EUA seguem bloqueando economicamente o Irã e prejudicado o país que tem dificuldade para adquirir medicamentos no mercado mundial em meio à pandemia por coronavírus, França, Alemanha e Reino Unido estão conseguindo driblar o bloqueio. Estão usando o INSTEX (Instrumento de apoio a intercâmbios comerciais), criado para manter ativo o pacto nuclear de 2015 quebrado unilateralmente pelos EUA. Uma declaração do ministério de relações exteriores da Alemanha, divulgada pela imprensa, diz que um primeiro envio já foi realizado e que medicamentos e suprimentos de saúde já estão no Irã. O mecanismo permite que empresas desses países exportem e importem do Irã sem o uso do dólar, fugindo assim das sanções estadunidenses.

A Rússia enviou um avião militar com material médico e de proteção aos profissionais de saúde para os EUA. O fato ocorre após pelo menos seis anos de relação instável, sanções, fim de um pacto comum de controle armamentício, acusações de ingerência e etc. Trump disse que a Rússia “enviou uma carga de avião muito, muito grande. Equipe médica. Muito agradável”. A Rússia enviou há algumas semanas 15 aviões militares para a Itália, muito antes da União Europeia conseguir dar algum apoio concreto ao país.

Um país da Ásia Central, o Turcomenistão, adotou uma forma inusitada de enfrentar o coronavírus. Seu governo proibiu o uso da palavra “coronavirus” na vida pública. O presidente do país determinou o banimento da palavra da mídia estatal e também privada. O país de 5,8 milhões de pessoas tem assistido a prisão de pessoas que falam sobre a doença ou que usam máscaras. O Turcomenistão está pertinho do Irã, um dos países mais atingidos pela pandemia.

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