Governo quer lidar com Covid-19 mantendo austeridade, diz especialista

Segundo Grazielle David, assessora da Red de Justicia Fiscal de America Latina y Caribe, governo ainda busca remanejar recursos e evitar gastos novos.

O governo federal está tentando lidar com a Covid-19 dentro da lógica da austeridade fiscal, indo na contramão do que governos do mundo inteiro estão fazendo. A avaliação é de Grazielle David, doutoranda em Desenvolvimento Econômico na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e assessora da Red de Justicia Fiscal de America Latina y Caribe.

Segundo Grazielle, essa postura está por trás da relutância da equipe econômica em viabilizar para os cidadãos a renda básica emergencial no valor de até R$ 1,2 mil por família, já votada na Câmara e no Senado. Apesar de aprovada pelo Senado na segunda (30), a proposta ainda não foi sancionada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Ontem (31) o ministro da Economia, Paulo Guedes, condicionou a liberação do auxílio à aprovação da chamada PEC do Orçamento de Guerra. A PEC foi protocolada na tarde desta quarta-feira (1°) pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Essa PEC foi pensada para funcionar como uma espécie de orçamento paralelo para as despesas emergenciais relacionadas ao coronavírus. Deve, ainda, flexibilizar exigências fiscais como a “regra de ouro” (que proíbe o governo de emitir dívida para pagar despesas correntes).

Regra de ouro”

Grazielle, que também é produtora do podcast sobre finanças pessoais É da sua Conta, acredita que há um temor entre os membros da equipe econômica de serem responsabilizados pelo descumprimento da “regra de ouro”. Daí o desejo de contarem com o resguardo da PEC.

No entanto, diz, há outras maneiras de liberar o auxílio emergencial que não por meio de emenda à constituição. As propostas que alteram o texto constitucional costumam andar mais devagar porque precisam de mais votos – 3/5 dos parlamentares: 308 na Câmara e 49 no Senado. O governo poderia pedir a autorização para o gasto extra por meio de projeto de lei ou Medida Provisória (MP), instrumentos muito mais céleres.

Grazielle destaca, ainda, que o momento é de calamidade pública e que o governo já recebeu sinalizações dos órgãos de controle de que pode deixar a questão fiscal de lado. “Já teve aprovação de calamidade pública [pelo Congresso], o que já revogou a meta de superávit primário [a economia que o governo faz para pagar os juros da dívida pública]. Já teve liminar do Supremo [desobrigando ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal] e já teve até ministro do TCU [Tribunal de Contas da União] dizendo que não existe inviabilidade”, comentou.

Ontem o ministro do TCU Bruno Dantas usou o Twitter para criticar o atraso no pagamento da renda básica emergencial e a preocupação do ministro da Economia, Paulo Guedes, com a questão fiscal. “Usar a ‘regra de ouro’ – escrita na Constituição para tempos de normalidade – como pretexto para atrasar a destinação emergencial de renda mínima já aprovada pelo Congresso de R$ 600 a idosos, pessoas com deficiência e trabalhadores informais não é simples omissão. É ação. E grave”, escreveu Dantas, que é relator das contas de 2019 do governo Jair Bolsonaro.

Austeridade

Grazielle David avalia que, mais do que uma preocupação com os órgãos de controle, o que está por trás da insistência do governo na PEC é o desejo de usá-la para seguir com o programa de austeridade, quando a preocupação fiscal deveria ser esquecida por completo.

A PEC protocolada esta tarde, por exemplo, prevê desvinculação de recursos destinados a outras finalidades para serem usados no combate à Covid-19. Isso significa que, em lugar de criar recursos novos, o governo deve cortar de outras áreas para atender às despesas relacionadas à doença.

Chegou a ser discutido o corte de salários de servidores públicos no âmbito da PEC do Orçamento de Guerra, o que não se confirmou na proposta assinada por Maia e outros sete deputados. No entanto, alterações nesse sentido ainda podem ser inseridas por meio de emendas parlamentares.

“O governo acha que é possível remanejar recursos do orçamento, adotar medidas que já estava prevendo [antes da pandemia], que era justamente essa de reduzir salários, para compensar os novos gastos que precisam ser feitos com a Covid-19. É um completo absurdo e desrespeito, porque as pessoas estão isoladas nas suas casas, a gente tem queda de demanda e de oferta. Não é o momento de sair cortando o salário de ninguém, não é o momento de deixar as pessoas sem uma renda básica. Não é o momento de desassistir, seja pobre, classe média, servidor público, empresa”, defende.

“É o momento de socorrer a todos, fazer gastos, emitir títulos da dívida, liberar o Banco Central para comprar títulos do Tesouro. No futuro, a gente pensa em formas progressivas de compensar esses títulos emitidos e de financiar as medidas tomadas agora. A austeridade fiscal não deveria estar no radar desse governo em um momento tão grave, colocando tantas vidas em risco”, conclui.

Autor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *