Bolsonaro colhe o que semeou com a China, afirma Rubens Ricupero

O governo brasileiro de Jair Bolsonaro começa a colher os frutos da tempestade que plantou em sua relação com a China, e justamente quando mais precisava para salvar vidas de brasileiros. A avaliação é do ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, Rubens Ricupero.

Ricupero

Em entrevista exclusiva à coluna, o embaixador destaca como a decisão de Pequim de redirecionar material que poderia salvar vidas no Brasil deve ser interpretada no contexto das ofensas que a família do presidente dirigiu contra o governo chinês. Agora, quando necessitou, foi esnobado tanto por Pequim como por Washington.

Durante a semana, o governo brasileiro foi surpreendido com a decisão dos chineses de enviar materiais para combater o coronavírus para os EUA, em detrimento de acordos que já existiam com o Brasil.

A decisão ocorre duas semanas depois que o deputado Eduardo Bolsonaro foi às redes sociais para acusar a China pela pandemia. Depois de uma reação dura do embaixador chinês, foi a vez do chanceler Ernesto Araújo sair em defesa do filho de seu chefe, aprofundando o mal-estar.

“Por ironia dramática, os fanáticos sectários da antiglobalização e do soberanismo nacionalista, tanto Donald Trump e seus sequazes americanos, quanto Bolsonaro e discípulos olavistas como o ministro do Exterior Araújo, se encontram todos de joelhos à mercê da China, transformada pela globalização na fonte praticamente exclusiva do socorro na hora da verdade”, disse Ricupero.

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“Primeira crise séria enfrentada por Bolsonaro, a pandemia do Covid-19 demonstra que o país não conseguirá superar o desafio se não neutralizar o poder que tem o presidente de nos conduzir a uma catástrofe sem precedentes”, alertou Ricupero.

“É ilusão esperar que num regime presidencialista que concentra em mãos do presidente enormes poderes e a capacidade exclusiva de liderar a ação do Executivo, seja possível “fazer de conta” que esse presidente não existe”, indicou.

“Sobretudo quando o presidente não se resigna ao papel passivo de deixar a outros as tarefas que é incapaz ele mesmo de realizar”, alertou o embaixador.

“Longe de aceitar tal papel, Bolsonaro, seus filhos e seguidores, agem de modo maligno, por ação – como a propaganda para a volta ao trabalho, o fim do isolamento – ou por omissão – o corpo mole em não dar realidade à ajuda aos vulneráveis – para sabotar e destruir o que os demais tentam fazer”.

“O resultado é, como diz o Evangelho, “uma casa dividida contra si mesma”, destinada, portanto, como prevê o mesmo Evangelho, a “não subsistir”, destacou o ex-ministro.

Política Externa

Na avaliação do diplomata, tal postura do governo também afeta sua política externa. “É o que se vê também na incapacidade de utilizar o potencial de ajuda e cooperação das organizações internacionais e países estrangeiros. Seria esse o papel da política externa, se este governo tivesse um conjunto de metas e ações que merecessem o nome de política externa, o que não é infelizmente o caso”, disse.

“O que temos, em vez disso, são iniciativas e acusações que alienaram a simpatia da única grande fonte possível de obtenção de material médico-hospitalar para combater a doença, a China”, lamentou.

“Quando o ministro da Saúde se queixa de que os chineses preferiram entregar aos norte-americanos o material já contratado pelo Brasil, é preciso perguntar-se: por que o governo chinês faria isso ou deixaria que isso acontecesse se estivesse satisfeito com seu relacionamento com o Brasil?”, questionou.

“É óbvio que Bolsonaro está começando a colher o que semeou ao acusar ou deixar que seu filho acusasse a China de ser responsável pela pandemia”, constatou o experiente diplomata.

“Num momento como este, no qual todos países tentam obter dos chineses os mesmos fornecimentos escassos, é evidente que o governo chinês escolherá os beneficiados de acordo com seus próprios interesses ou pela qualidade e intensidade do relacionamento bilateral”, afirmou.

“Nessas duas categorias, o Brasil de Bolsonaro não tem nenhuma chance, pois nada fez para merecer a amizade ou a gratidão da China”, destacou.

Ricupero ainda chamou de “patética” a tentativa de encontrar auxílio de parte de Donald Trump. Segundo ele, o americano “nada tem a oferecer, já que, devido à demora com que reconheceu o problema, privou os Estados Unidos do equipamento e produtos farmacêuticos necessários”.

“E que se empenha, fiel a seu lema “America First”, em se atravessar no caminho do Brasil ou de qualquer outro país na disputa pelos fornecimentos chineses”, constatou.

“O resultado humilhante de mais essa demonstração do desastroso alinhamento com os Estados Unidos é que, no instante mesmo em que o presidente brasileiro se gabava de ter alcançado a promessa de auxílio dos americanos, estes despachavam mais de 20 aviões à China para trazer o material, parte do qual teria sido destinado ao Brasil”, afirmou.

Multilateral

Outro alerta do embaixador se refere ao posicionamento do Brasil nas entidades internacionais. “O descaso do governo brasileiro pelas Nações Unidas e pela Organização Mundial de Saúde impediu o país de aproveitar os benefícios da rede internacional de cooperação no combate à pandemia”, afirmou.

“Em lugar de assumir uma posição proativa na OMS para facilitar o acesso à experiência da Organização na adoção das melhores políticas e práticas de controle, o que se viu até agora foi a tentativa infeliz do ministro das Relações Exteriores de subestimar a OMS, numa atitude de arrogante autossuficiência desmentida pelos apelos do seu colega da Saúde à obtenção de ajuda no exterior”, disse.

Fonte: UOL

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