Covid-19 rompe barreira da espécie, como tantos outros, diz Suleiman
Infectologista mostra que hábitos culturais chineses são irrelevantes no surgimento da doença respiratória.
Publicado 07/04/2020 00:33 | Editado 07/04/2020 00:35

O infectologista do Hospital Emílio Ribas, Jamal Suleiman, demonstrou o equívoco xenofóbico de acusar hábitos culturais chineses pela disseminação do Covid-19. Em entrevista ao Programa Fernando Joly, ele diz que o grupo de coronavirus existe em animais e, muito raramente, pode romper a barreira da espécie e chegar ao ser humano, como já aconteceu com outros vírus. Basta o contato humano com um animal hospedeiro do vírus para a doença romper a barreira da espécie.
Ele conta que o grupo dos coronavirus é antigo causador de algumas doenças respiratórias. Esse terceiro corona, descoberto em 2019, portanto Covid-19, tem a especificidade de poder evoluir para um caso mais grave conforme o quadro de saúde da pessoa infectada. “São zoonoses, ou seja, vírus que infectam alguns animais e podem romper a barreira da espécie, algo que é bastante incomum. Esse Covid-19 infecta mamíferos voadores (morcegos), em quem não causam doenças, mas ao infectar humanos, se espalha e pode apresentar um espectro de sintomas”, afirma ele.
As doenças infecciosas, de maneira geral, aponta ele, sempre carregam um componente xenofóbico (de preconceito cultural). “Quando a gente não entende a cultura do outro, achamos estranho. Sabemos que a China, que é uma grande potência, um império e uma cultura milenar, tem várias situações culturais específicas. O fato de comer ou não morcego, não faz a menor diferença, porque isto estaria ocorrendo há muito tempo. Não é um prato que começou a ser consumido no século XXI”, sugere ele.
O fato principal, é que existe uma proximidade com vários agentes animais, não apenas na China, mas no mundo inteiro. Suleiman conta se lembrar que, em São Paulo, há menos de uma década, vendiam-se animais vivos, entre aves e roedores, em pleno Mercado Municipal “e ninguém achava isso estranho”. “Eu me lembro de passar lá e encontrar caramujos, pombas, coelhos para consumo humano. Os brasileiros compram isso? Seguramente, alguns compravam. Daí, você inferir que o Brasil todo come, o passo é grande”, comparou.
Verificou-se que os primeiros casos da doença atingiam pessoas que saíram de um determinado mercado que vendia animais vivos. Num sistema de vigilância sanitária, a primeira coisa que se faz é ir até esse local e observar a dinâmica da população com o espaço. E viram que havia uma proximidade entre os animais e os seres humanos, mas, não necessariamente consumo. “Dificilmente, na natureza, existe apenas um reservatório do vírus. Portanto, os morcegos podem ter transmitido o vírus para outro animal que, por mutação, infectou o ser humano”.
Suleiman citou o exemplo do HIV, ressaltando que este vírus leva a uma doença totalmente diferente, com transmissão também diferente. “Mas ele sai de primatas para humanos, através do contato com o sangue dos macacos. No Brasil, há locais onde se come macacos, também. Assim, o vírus da imunodeficiência símia (SIV) rompe a barreira da espécie e contamina humanos e, em vez do S de símio, ganha o H de humano”, descreveu.
O alarme contra o Covid-19
A atenção dada ao corona vírus, segundo ele, está relacionada com a velocidade com que o mundo inteiro toma conhecimento da publicação da descrição de uma doença ou um vírus novo. “Temos uma quantidade absurda de informação sobre esta doença, em muito pouco tempo, algo que a ciência ainda não havia experimentado”.
O infectologista salienta que isso também tem favorecido o surgimento das fakenews, que contribuem para espalhar um pânico “absolutamente desnecessário”. “Este momento deve servir para aprendermos a separar a informação relevante daquela que não serve pra nada. Este momento revela que o nível de informação séria é absolutamente transparente, sem dourar a pílula, nem nada disso”, declarou.
“O vírus não é burro! Se ele matar todo mundo que infectar, ele morre também”, destaca. Então, o objetivo é parasitar o organismo hospedeiro, não é matar. O problema é que se a pessoa infectada já tem condições preexistentes que o tornam muito vulnerável, ela pode vir a morrer. “Na maioria das pessoas, a doença vai passar desapercebida no pacote ‘viroses’. No momento, as pessoas mais vulneráveis vão morrer, porque não existe tratamento para a doença, ainda”, lamenta ele.