Covid-19 rompe barreira da espécie, como tantos outros, diz Suleiman

Infectologista mostra que hábitos culturais chineses são irrelevantes no surgimento da doença respiratória.

funcionários de mercado em Pequim comumente usam equipamentos de proteção individual para vender seus produtos. Pesquisa revela que apenas 5% dos morados da capital chinesa consomem animais selvagens.

O infectologista do Hospital Emílio Ribas, Jamal Suleiman, demonstrou o equívoco xenofóbico de acusar hábitos culturais chineses pela disseminação do Covid-19. Em entrevista ao Programa Fernando Joly, ele diz que o grupo de coronavirus existe em animais e, muito raramente, pode romper a barreira da espécie e chegar ao ser humano, como já aconteceu com outros vírus. Basta o contato humano com um animal hospedeiro do vírus para a doença romper a barreira da espécie.

Ele conta que o grupo dos coronavirus é antigo causador de algumas doenças respiratórias. Esse terceiro corona, descoberto em 2019, portanto Covid-19, tem a especificidade de poder evoluir para um caso mais grave conforme o quadro de saúde da pessoa infectada. “São zoonoses, ou seja, vírus que infectam alguns animais e podem romper a barreira da espécie, algo que é bastante incomum. Esse Covid-19 infecta mamíferos voadores (morcegos), em quem não causam doenças, mas ao infectar humanos, se espalha e pode apresentar um espectro de sintomas”, afirma ele.

As doenças infecciosas, de maneira geral, aponta ele, sempre carregam um componente xenofóbico (de preconceito cultural). “Quando a gente não entende a cultura do outro, achamos estranho. Sabemos que a China, que é uma grande potência, um império e uma cultura milenar, tem várias situações culturais específicas. O fato de comer ou não morcego, não faz a menor diferença, porque isto estaria ocorrendo há muito tempo. Não é um prato que começou a ser consumido no século XXI”, sugere ele.

O fato principal, é que existe uma proximidade com vários agentes animais, não apenas na China, mas no mundo inteiro. Suleiman conta se lembrar que, em São Paulo, há menos de uma década, vendiam-se animais vivos, entre aves e roedores, em pleno Mercado Municipal “e ninguém achava isso estranho”. “Eu me lembro de passar lá e encontrar caramujos, pombas, coelhos para consumo humano. Os brasileiros compram isso? Seguramente, alguns compravam. Daí, você inferir que o Brasil todo come, o passo é grande”, comparou.

Verificou-se que os primeiros casos da doença atingiam pessoas que saíram de um determinado mercado que vendia animais vivos. Num sistema de vigilância sanitária, a primeira coisa que se faz é ir até esse local e observar a dinâmica da população com o espaço. E viram que havia uma proximidade entre os animais e os seres humanos, mas, não necessariamente consumo. “Dificilmente, na natureza, existe apenas um reservatório do vírus. Portanto, os morcegos podem ter transmitido o vírus para outro animal que, por mutação, infectou o ser humano”.

Suleiman citou o exemplo do HIV, ressaltando que este vírus leva a uma doença totalmente diferente, com transmissão também diferente. “Mas ele sai de primatas para humanos, através do contato com o sangue dos macacos. No Brasil, há locais onde se come macacos, também. Assim, o vírus da imunodeficiência símia (SIV) rompe a barreira da espécie e contamina humanos e, em vez do S de símio, ganha o H de humano”, descreveu.

O alarme contra o Covid-19

A atenção dada ao corona vírus, segundo ele, está relacionada com a velocidade com que o mundo inteiro toma conhecimento da publicação da descrição de uma doença ou um vírus novo. “Temos uma quantidade absurda de informação sobre esta doença, em muito pouco tempo, algo que a ciência ainda não havia experimentado”.

O infectologista salienta que isso também tem favorecido o surgimento das fakenews, que contribuem para espalhar um pânico “absolutamente desnecessário”. “Este momento deve servir para aprendermos a separar a informação relevante daquela que não serve pra nada. Este momento revela que o nível de informação séria é absolutamente transparente, sem dourar a pílula, nem nada disso”, declarou.

“O vírus não é burro! Se ele matar todo mundo que infectar, ele morre também”, destaca. Então, o objetivo é parasitar o organismo hospedeiro, não é matar. O problema é que se a pessoa infectada já tem condições preexistentes que o tornam muito vulnerável, ela pode vir a morrer. “Na maioria das pessoas, a doença vai passar desapercebida no pacote ‘viroses’. No momento, as pessoas mais vulneráveis vão morrer, porque não existe tratamento para a doença, ainda”, lamenta ele.