Henrique Vieira: Quando a fé estimula o ódio, nada tem a ver com Jesus

O extremismo religioso é quando a experiência da fé se pretende como verdade absoluta e inquestionável, tendo como propósito o domínio sobre todas as esferas da sociedade e o controle sobre todos os corpos.

A narrativa extremista cristã que vem sendo apresentada por muitos segmentos hoje no Brasil tem a ver com o Evangelho de Jesus? Essa narrativa cristã representa à totalidade de experiências cristãs no Brasil. A resposta é não para as duas perguntas. Os discursos e as defesas calorosas feitas por muitos líderes religiosos e por autoridades em nosso país se aproximam mais do que chamamos de fascismo e de extremismo religioso, do que dos ensinamentos de Jesus.

O fascismo é um modo político e existencial que busca neutralizar e destruir a pluralidade, a diferença e a liberdade. É, por definição, monolítico, autoritário e amante do poder. Não pode lidar com o conflito, mas busca suprimi-lo por meio do uso da força. O fascismo cria a imagem do “outro” como exótico, inferior e inimigo. A simples existência daquele considerado diferente é vista como uma ofensa. O motor do fascismo é o ódio contra a diferença, o apego ao poder e a aversão a liberdade.

O extremismo religioso é quando a experiência da fé se pretende como verdade absoluta e inquestionável, tendo como propósito o domínio sobre todas as esferas da sociedade e o controle sobre todos os corpos. O extremismo religioso se fecha em dogmas e doutrinas e anestesia a capacidade de empatia e solidariedade diante do sofrimento humano.

Então, é fácil imaginar a similaridade entre fascismo e extremismo religioso, assim como o potencial destrutivo dessa junção. No Brasil, existe um extremismo religioso cristão que oferece suporte e corrobora narrativas autoritárias e fascistas vindas de autoridades políticas. O resultado é um clima bélico, de intolerância, de estímulo e autorização para múltiplas violências.

A marca principal dos ensinamentos de Jesus é o amor em seu aspecto concreto e prático. Jesus deu a sua vida por amor, sua vida foi uma constante doação para o próximo. Impossível justificar em Jesus o preconceito, o ódio, o descarte de pessoas, o elogio à tortura, a indiferença diante da morte. Jesus, na verdade, foi preso, torturado e executado. No Evangelho segundo João, capítulo 13, verso 35, está escrito: “nisso todos conhecerão que vocês são meus discípulos, se vocês amarem uns aos outros”. Simples e radical assim: seremos reconhecidos como discípulos e discípulas de Jesus pela nossa capacidade de amar.

Também cabe dizer, que tanto no passado quanto no presente, são incontáveis as experiências cristãs populares, comprometidas com a paz, a Democracia, a promoção da dignidade humana. No Brasil de hoje pessoas simples e trabalhadoras usam sua fé em Jesus como expressão de amor e serviço ao povo. Sendo assim, toda generalização é simplória e não corresponde à realidade.

Existem cristãos e cristãs de várias igrejas e movimentos se articulando na defesa firme e corajosa da Democracia a partir da ética do Evangelho. São lideranças, comunidades e coletivos de todo Brasil desautorizando esta narrativa extremista e afirmando categoricamente que a fé em Jesus não pode ter como efeito o estímulo a ditaduras, arbitrariedades, supressão de liberdades e violência.

A bíblia tem sido interpretada hegemonicamente pelas lentes do privilégio e do poder, contudo sua origem é popular, oprimida e periférica. Sempre houve e continua havendo muitas frentes dentro cristianismo que leem a bíblia de maneira comprometida com a justiça e a causa dos pobres, tendo como centralidade o amor. E sim, o amor é ético e não elimina o diferente. O amor é anti fascista e a favor da vida abundante compartilhada para todas as pessoas.

Fonte: O Dia

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