De Olho no Mundo, por Ana Prestes
No olhar de Ana Prestes desta terça-feira (14) há um forte componente político da pandemia da Covid-19 com destaque para a convergência do Partido Democrata dos EUA torno do candidato Joe Biden, mas também há repercussões políticas na Hungria, na Bolívia e na Coreia do Sul. Chamam atenção as condições diferenciadas em que a Nova Zelândia e países africanos estão enfrentando a crise sanitária.
Publicado 14/04/2020 13:34
Nos EUA, ontem (13) uma notícia conseguiu chamar mais atenção do que a situação dramática do coronavírus. Foi a participação de Bernie Sanders em uma live de Joe Biden para endosso público de seu apoio à candidatura do democrata à presidência dos EUA. “Farei o possível por sua vitória, Joe” disse Sanders. Biden tem agora o enorme desafio de fazer com que os adeptos de Sanders também façam “tudo o possível” por sua eleição, dado que ele não é dos mais carismáticos e cativantes líderes norte-americanos. Um bom termômetro disso é a postura da liderança democrata Alexandria Ocasio-Cortez que em entrevista ao NYT diz: “unidade e unificação não é um sentimento, é um processo”. Mais pra frente na entrevista ela completa o pensamento: “todo o processo de estar junto deveria ser não confortável para todos os envolvidos – é assim que você sabe que está funcionando. E se Biden somente está fazendo coisas que são confortáveis para ele, então não é suficiente”.
Enquanto os democratas tentam encontrar a chave da unidade, Trump e o infectologista da Casa Branca, Anthony Fauci continuam se engalfinhando, de forma mais discreta, mas semelhante ao caso Bolsonaro versus Mandetta. O presidente americano que costuma enviar recados pelo Twitter, imitado pelo presidente Bolsonaro, diga-se de passagem, deu uma retuitada em uma mensagem crítica ao infectologista Fauci defendendo sua demissão por ter dito na TV que mortes poderiam ter sido evitadas nos EUA, caso as medidas de isolamento social houvessem iniciado antes. Isso foi no domingo (12). Ontem, segunda-feira (13), a Casa Branca emitiu um comunicado dizendo que o presidente Trump não demitiria o infectologista. A imprensa americana colocou mais lenha na fogueira da confusão levantando pronunciamentos de Fauci em 2017 quando ele defendia que a administração Trump se preparasse para futuras epidemias globais criando um fundo público para emergências de saúde. Na época ele dava o exemplo da epidemia por Zika vírus. Trump nunca criou o fundo e ao invés disso cortou recursos de agências federais responsáveis por detectarem e prepararem eventos semelhantes. Em maio de 2018 desmanchou uma equipe responsável por monitorar pandemias do Conselho Nacional de Segurança e em outubro de 2019 não renovou o financiamento de um sistema de alertas para pandemias.
O fechamento de regimes com a justificativa da pandemia já está sendo vista em alguns países, como a Hungria de Viktor Orban na Europa, por exemplo. Por aqui na América do Sul, a autoproclamada presidente da Bolívia, Jeanine Añez, desde o dia 25 de março governa com o Decreto Especial 4200 que lhe deu poderes especiais, inclusive de decretar prisão a quem der declarações ou publicar informações que o governo considere “incorretas”. A forma vaga com que o dispositivo do decreto está redigido tem levado organizações internacionais de direitos humanos a temerem que possa ser usado de maneira abusiva por quem está no poder. O decreto pode ser usado inclusive para perseguição e punição à imprensa. Em especial as rádios comunitárias, muito fortes no interior do país e que são dirigidas por setores indígenas muito ligados ao MAS e ao próprio ex-presidente Evo Morales. O governo de Añez, através de seu ministro de Governo, Arturo Murillo, já mandou recado para seu principal opositor, o candidato do MAS à presidência, Luis Arce, para que este “evite desinformar a população” (Nexo). Aqui não se trata de combate ao coronavírus, mas disputa política clara pela condução do país. A questão é que um dos lados está com a prerrogativa do uso da força. O país estava com eleições marcadas para 3 de maio, mas com a pandemia, está em consideração se o pleito será feito no dia 7 de junho ou no dia 6 de setembro. A Bolívia aparece hoje com 354 casos registrados de infecção por coronavírus e 28 mortes, segundo o mapa da John Hopkins University (JHU).
A África é a região do mundo com maior vulnerabilidade à pandemia por coronavírus. Cerca de 80% da população vive em moradias comunitárias. Na parte ocidental, muçulmana, onde um homem tem de 4 a 5 esposas, as famílias são grandes e vivem bastante aglomeradas. Pegando apenas alguns dos 55 países do continente, segundo dados que aparecem em reportagem da BBC, a República Centro-Africana possui três respiradores para 5 milhões de pessoas. Em Burkina Faso são 11 respiradores para 19 milhões, em Serra Leoa são 18 para 7,5 milhões e por aí vai. Outro problema é o econômico. Segundo um relatório da União Africana (UA), cerca de 20 milhões de empregos, entre formais e informais serão perdidos na África com a extensão da pandemia do coronavírus. Amanhã, 15 de abril, a UA se reunirá para tratar especificamente sobre produção e salvaguarda de produtos alimentícios, assim como produção dos agricultores, que estão distantes de clínicas e hospitais e são os responsáveis pela imensa maioria da produção de alimentos no continente.
Ainda sobre África, uma situação curiosa está acontecendo na África do Sul. Nas últimas duas semanas houve uma queda brusca e inesperada na taxa diária de novas infecções pelo novo coronavírus. A evidência está nos hospitais que haviam se preparado para receber um volume alto de pacientes. Leitos e enfermarias foram preparados, cirurgias não urgentes desmarcadas, ambulâncias equipadas, equipes médicas fizeram simulações de protocolos, longas reuniões das autoridades de saúde, como em todos os países. O presidente do país, Cyril Ramaphosa, sugere que as duas semanas de isolamento são as responsáveis pelo baixo índice e prorrogou as restrições de circulação até o final do mês. Mesmo assim, médicos estão dando entrevistas se dizendo intrigados, pois o aumento diário de casos foi de 42% para 4%. Hoje o país está com 2272 casos e 27 mortos, segundo a JHU. O primeiro caso registrado foi há cinco semanas. O governo anunciou um fundo de 2,2 bilhões de dólares para auxílio às pessoas impedidas de trabalhar na quarentena.
Enquanto profissionais de saúde enfrentam a luta pela vida contra o vírus na linha de frente, nos hospitais, políticos e economistas quebram a cabeça para desenhar a saída de seus países da imobilidade produtiva. Para isso, a OMS listou alguns critérios orientadores para a regulação dessa “saída da quarentena”, são eles: transmissão controlada; sistema de saúde capaz de testar e isolar casos; minimizar surtos em casas de repouso; administrar importação de casos; engajamento da comunidade; prevenção no trabalho e escolas. A chave para abrir a porta do fim do túnel da quarentena estaria na capacidade do país de localizar o vírus. Segundo o representante da OMS, Mike Ryan, “o único jeito de fazer uma transição é encontrar o vírus e isso só se faz testando”.
A Nova Zelândia, governada pela primeira-ministra Jacinda Ardern, tem se destacado no combate ao coronavírus. Uma evidente desaceleração no aparecimento de novos casos está chamando a atenção. Desde o início da pandemia apenas uma pessoa faleceu. As medidas tomadas pelo país foram mais contundentes do que em outros países. Desde o princípio o discurso de Ardern foi de eliminação da doença e não sua mitigação com o achatamento da curva. O primeiro caso no país foi identificado no dia 28 de fevereiro e hoje (14) são 1366 infectados e 9 falecidos, segundo a JHU. Algumas medidas que o país anuncia que tomou de forma bastante rígida: controle de fronteiras e isolamento efetivo de passageiros; testes generalizados e rápidos; isolamento e rastreamento de toda a cadeia de contatos; intensa promoção da higiene cumprimento rígido do distanciamento social; comunicação eficaz com a população. Um caso curioso foi o Ministro da Saúde, David Clark, fotografado na praia após o início do confinamento e que foi rebaixado de cargo por Jacinda. Sobre o caso, ela disse: “em condições normais, eu teria demitido o ministro. O que ele fez está errado e ele não tem desculpas. Mas agora minha prioridade é nossa luta coletiva contra a Covid19”. Pena que aqui no Brasil nossos ministros não podem demitir ou ao menos “rebaixar” o Presidente desobediente.
E a Coreia do Sul terá eleições no meio da pandemia. Os cidadãos sul-coreanos irão amanhã (15) às urnas para eleger 300 parlamentares para sua Assembleia Nacional. O país passou recentemente por um processo de impeachment, em 2017, quando a primeira mulher a presidir o país, Park Geun-hye, do Partido Saenuri (Partido da Liberdade da Coreia), de ultra-direita, foi condenada por crimes de extorsão e está até hoje na prisão. O impeachment foi impulsionado pelos Candlelight Protests (protestos das lamparinas) no final de 2016 e início de 2017. Na sequência foi eleito Moon Jae-in, pelo Partido Democrático da Coreia, que governará até 2022. A boa avaliação de Moon na condução da reação do país à epidemia por coronavírus pode ajudar seu partido a ter boa votação amanhã.