Rodrigo Maia: Paulo Guedes “não é sério” e “minimizou demais a crise”

Presidente da Câmara também acusou Bolsonaro de travar a ajuda financeira a estados e municípios por razões político-partidárias

(Foto: Reprodução)

O ministro bolsonarista da Economia, Paulo Guedes, não é sério e tenta confundir “a cabeça das pessoas” com informações falsas. Quem faz a denúncia é o presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em entrevista à edição da revista Veja que chegou às bancas nesta sexta-feira (17), Maia acusa também o presidente Jair Bolsonaro de travar a indispensável ajuda financeira a estados e municípios por razões político-partidárias. Confira os principais trechos da entrevista:

Veja: Como o senhor avalia a atuação do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia de coronavírus?
Rodrigo Maia: O presidente minimiza o problema, o que pode ter consequências enormes num país continental como o Brasil. Outro dia, ele disse numa live que teríamos menos mortes com o novo coronavírus do que com a H1N1, o que, em poucas semanas, foi desmentido pelos dados oficiais. O presidente segue a linha daqueles que, em outros países, entenderam que o custo do não isolamento era menor que o custo do isolamento. A diferença é que a maioria dos governantes que seguiram esse caminho já recuou. A postura de Bolsonaro de minimizar a pandemia levou a equipe econômica a demorar muito tempo para se convencer de que o impacto seria grande. Essa postura também provoca conflitos.

Veja: Que tipos de conflito?
RM: Todos os problemas enfrentados pelo presidente são resultado de seu diagnóstico errado. Todos os conflitos partem de uma divergência dele com a maioria da sociedade brasileira. É uma coisa estranha porque parece que o Bolsonaro sai da posição de presidente e fica sendo o comentarista e crítico, como se não tivesse responsabilidade sobre determinada decisão ministerial. Outro dia, a esposa do ministro Sergio Moro postou um apoio a Mandetta e, depois, o apagou. Há um mal-estar não só com o Ministério da Saúde, mas com o segmento mais racional do governo.

Veja: O senhor disse recentemente que o governo dá coice.
RM: Toda vez que você diverge, como ocorreu em relação ao Ministério da Economia, o governo parte para o ataque. Em vez de fazerem um debate transparente e sério, o ministro (Paulo Guedes) e sua equipe passam informações falsas à sociedade em relação ao que deve ser a crise de estados e municípios nos próximos meses. Da forma como Guedes faz, a impressão que dá é que ele quer impor a posição dele – e, numa democracia, isso não existe. Tínhamos uma proposta de como ajudar estados e municípios, fomos convencidos de que parte dela estava equivocada, mudamos o texto e aprovamos uma versão muito equilibrada. Chegou a ponto de ele dizer que o impacto do projeto pode ser de R$ 285 bilhões. Sabe o que significa? Queda de 100% na arrecadação do ICMS e do ISS. Se ele acha que pode ser isso – o que não será nunca –, está dizendo que a crise é muito mais grave do que estamos imaginando. Ou seja: ele não é sério. Se fosse sério, não tentaria misturar a cabeça das pessoas.

Veja: O senhor ainda conversa com o ministro Paulo Guedes?
RM: O ministro minimizou demais a crise. Em entrevista à Veja, disse que com R$ 5 bilhões aniquilava o vírus. Eu converso com todos que querem dialogar comigo. É claro que ninguém fica satisfeito quando diz que diverge da posição do Planalto para votar um projeto e o governo parte para o ataque como se tivesse poder de impor posições, de agredir o Parlamento. Quando você não faz o que o governo quer, é agredido. Há de fato um ambiente em torno do presidente que viraliza informações distorcidas e, muitas vezes, ataques morais. Enquanto o Mandetta era querido, ele não tinha adversários, inimigos ou rejeição nas redes sociais. A partir do momento em que passou a enfrentar o governo, apareceu uma artilharia de informações distorcidas a respeito dele, ataques organizados.

Veja: O senhor, que é alvo recorrente dessa artilharia, especialmente do vereador Carlos Bolsonaro. Já conversou com o presidente a respeito?
RM: Uma vez, discuti esse assunto com o presidente. Ele disse que não participava disso. Mas o fato é que há uma estrutura organizada de pessoas próximas a ele que desqualifica quem diverge do governo, que não quer ganhar o debate pelas ideias, mas pela imposição da força. A estratégia é a intimidação, para que as pessoas fiquem com medo e se omitam do debate. Mas nos últimos meses, ao contrário de antes, as pessoas estão se manifestando muito mais. A impressão que tenho é que o presidente vem perdendo apoio porque o diagnóstico dele sobre a pandemia diverge do da maior parte da sociedade.

Veja: A postura do presidente fez reaparecer nas conversas políticas a palavra impeachment. O senhor é a favor de um processo desse tipo?
RM: Não posso falar em tese, já que essa é uma decisão que passa pela presidência da Câmara, mas acho que esse assunto não está na ordem do dia. A ordem do dia é resolver os problemas. Se focarmos o impeachment, estaremos atendendo ao interesse do próprio presidente, que quer levar a discussão para o ringue da política – e não para o caminho das decisões que vão salvar a vida, o emprego e a renda dos brasileiros mais vulneráveis. O que ele quer é o campo político de conflito.

Veja: Essa posição será mantida mesmo se o presidente radicalizar ainda mais o discurso?
RM: O presidente até agora não assinou nenhum documento divergente da posição do Ministério da Saúde. A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com recurso contra a decisão do ministro do Supremo Alexandre de Moraes (que reconheceu a autonomia de estados e municípios para baixar medidas restritivas). O recurso da AGU está no mundo da legalidade, de respeito às instituições. Do ponto de vista formal, pelo menos por enquanto, não há ato do presidente que divirja do ministério e da Organização Mundial da Saúde. Agora, é um dado da realidade que as idas dele às ruas têm estimulado as pessoas a participar de aglomerações. Só o tempo dirá as consequências disso.

Veja: Qual a opinião do senhor sobre as carreatas de bolsonaristas pela flexibilização do isolamento?
RM: Isso é a politização da crise. Quando o presidente estimula manifestações contra governadores, contra políticos, quer estar no ringue político. Bolsonaro prefere criticar aqueles que divergem dele a tentar encontrar um denominador comum. Eu disse a ministros do governo que a crise do coronavírus era uma ótima oportunidade para o governo reconstruir suas pontes com o Parlamento. Não podemos esquecer que um pouquinho antes o Congresso derrubou um veto presidencial com impacto fiscal de R$ 20 bilhões. Aquilo demonstrava que, depois de sofrer tantos ataques, o Parlamento reagia. O governo precisa sempre de um adversário ou um inimigo, porque, caso contrário, não consegue estimular suas bases a defender sua posição.

Veja: A resistência do governo ao projeto de socorro financeiro a estados e municípios faz parte desse contexto?
RM: Essa briga com a federação é em virtude de 2022. O governo usa este momento de crise para tentar enfraquecer aqueles que considera adversários. Um ministro disse a um líder de partido que o presidente e a equipe econômica iam trabalhar para não dar dinheiro aos estados de São Paulo e do Rio (cujos governadores, João Doria e Wilson Witzel, são cotados como candidatos à Presidência). Os fluminenses e os paulistas votaram maciçamente no Bolsonaro. Independentemente de quem for o governador, se não houver a reposição da receita dos estados, haverá colapso.

Veja: O senhor é a favor do adiamento das eleições municipais?
RM: A questão da prorrogação de mandatos é muito perigosa. A última vez que adiamos uma eleição foi na ditadura militar. Qualquer brecha aberta agora pode gerar no futuro as condições para alguém se perpetuar no poder no Brasil. A prorrogação de um dia que seja vai criar no futuro as condições para que qualquer um invente uma crise e prorrogue o próprio mandato.

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