Governo chileno teme novo levante social durante a pandemia

Em entrevista para o “La Jornada”, o pesquisador Ernesto Águila, professor de Ciência Política da Universidade do Chile, afirma que a pandemia está colocando ainda mais em evidência as debilidades e a desigualdade do país.

A crise da Covid-19 conseguiu no Chile algo que a repressão do governo de Sebastián Piñera vinha tentando desde outubro do ano passado: encerrar os massivos protestos que, em poucos meses, deixaram quase 4 mil feridos e 32 mortos. No entanto, o presidente e sua equipe têm avaliado que a pandemia pode agravar ainda mais os ânimos dos protestantes e fazê-los voltar às ruas em breve.

Piñera, que chegou a ter uma popularidade inferior a 10% no auge da crise, tenta agora respirar enquanto o país tenta se proteger do coronavírus. Analistas têm destacado que até mesmo a oposição atenuou suas críticas nas últimas semanas. Em entrevista para o “La Jornada”, o pesquisador Ernesto Águila, professor de Ciência Política da Universidade do Chile, afirma que a pandemia está colocando ainda mais em evidência as debilidades e a desigualdade do país.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:  

La Jornada: Considera que a atuação do governo durante a pandemia pode elevar sua aprovação?

Ernesto Águila: Durante os protestos, a aprovação de Piñera chegou ao mínimo histórico de 6%. No entanto, a direita no Chile costuma ter um piso de pelo menos 30%. Com a gestão durante a pandemia, Piñera recuperou parte do apoio de sua base tradicional. A estratégia do governo é tentar garantir, por meio dos esforços sanitárias, um sentimento de “unidade nacional”. Ainda não é possível afirmar que tenha dado certo, mas permanece muito forte o desgaste de sua administração e do conjunto do sistema político, o que impede uma aprovação mais ampla.

LJ: Os anúncios econômicos feitos até agora parecem sob medida para o grande empresariado. O governo está tentando assegurar ao menos o apoio junto a essa parte da sociedade?

EA: O enfoque apresentado foi totalmente economicista e dentro de uma perspectiva neoliberal. Está cada vez mais claro que Piñera não quer assumir os custos econômico dessa crise. Diversos setores públicos e sindicais propuseram um aporte mínimo universal de emergência enquanto dure o confinamento, mas o governo não quis debater nada nesse sentido. Foi feita a opção de sustentar o sistema financeiro e as grandes empresas, mas isso não foi capaz de conter o aumento no desemprego. É bem possível que em poucas semanas vejamos no Chile situações de miséria que não víamos há décadas.

LJ: Não se vê neste momento no Chile nenhuma chance de se articular uma frente ampla contra o atual governo. Qual futuro tem a esquerda no país?

EA: O governo de Piñera foi capaz de se manter no poder, mesmo diante dos protestos do ano passado, por conta da desarticulação de sua oposição. O desgaste da centro-esquerda no Chile tem diversas raízes. Hoje, ela vive uma crise de confiança. Os cidadãos não confiam na intermediação da política institucional, tampouco percebem grandes diferenças nos discursos da centro-esquerda ou da direita.

LJ: Há uma grande lacuna de líderes, não há uma figura que conduza a oposição. Os cinco meses de protestos nas ruas não foram capazes de produzir novos rostos que possam representar a maioria do povo. Como superar isso?

EA: Efetivamente, os protestos tiveram como característica essa falta de lideranças políticas visíveis. Isso ainda persiste e é a expressão de uma profunda crise de confiança (ou de ruptura) entre a base social e as elites. Como se diz nas ruas: o novo não termina de nascer.

LJ: Você considera que estão em risco as conquistas que os protestos obtiveram, tais como o plebiscito de entrada, a convenção constitucional e a nova Carta?

EA: A pandemia obrigou que todo esse processo fosse postergado. O plebiscito que responderá se haverá ou não uma nova Constituição será realizado somente em 26 de outubro. Há setores na direita que desde o princípio tentam boicotar esse processo de consulta e que viu na atual crise a oportunidade para isso. Penso que a manutenção do acordo se manterá porque é a única forma de resolver por vias institucionais a ruptura o pacto social chileno. Sem cumprir esse acordo, dificilmente Piñera terminará seu mandato.

Tradução e edição: Fernando Damasceno